Comprar alimentos básicos no Brasil continua sendo uma tarefa que exige planejamento e, muitas vezes, renúncia. Embora exista a percepção de que parte da cesta básica está livre de impostos federais, o carrinho no supermercado revela que o preço final dos produtos essenciais segue em patamares elevados. A razão é menos visível do que os números estampados na etiqueta: há uma carga tributária oculta que pode ultrapassar 20% do valor dos itens, dependendo do estado onde o consumidor vive.
Essa realidade, mapeada por estudos recentes do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) em parceria com o IBPT, expõe a estrutura tributária brasileira como um labirinto que onera silenciosamente as famílias — principalmente as de menor renda, que destinam uma parcela muito maior do orçamento à alimentação.
A ilusão do imposto zero: o peso que continua na conta
O governo federal isentou tributos como PIS/COFINS sobre parte dos alimentos básicos, o que deveria ajudar no bolso do trabalhador. Entretanto, essa medida funciona apenas na superfície. O custo tributário segue se acumulando antes de o alimento chegar às prateleiras, mascarado em cada etapa do processo produtivo.
O IPEA apontou que esse tipo de política de desoneração ampla não corrige desigualdades sociais. Na prática, famílias que consomem mais — e geralmente têm maior renda — acabam concentrando o benefício fiscal. Com isso, quem ganha menos segue arcando proporcionalmente com uma parte maior do peso dos impostos embutidos no preço da comida.
ICMS: um mapa tributário desigual que encarece a comida
O principal elemento responsável por transformar a cesta básica em um produto de luxo é o ICMS, imposto administrado pelos estados. Cada um define sua própria lista de produtos beneficiados e as alíquotas aplicadas. O resultado é um cenário caótico, onde o mesmo alimento pode custar muito mais dependendo de onde o consumidor vive.
A falta de padronização cria distorções e incentiva decisões equivocadas. Em alguns estados, produtos ultraprocessados entram na lista de essenciais, enquanto alimentos frescos deixam de ter benefícios. Além disso, a adaptação a 27 regras fiscais diferentes gera custos extras para a indústria e o varejo, que repassam esse impacto diretamente ao preço final.
A carga invisível: o imposto que nasce no campo e morre no caixa do supermercado
O brasileiro não paga apenas imposto sobre o alimento. Paga imposto sobre o combustível que transporta a produção, imposto sobre a energia elétrica que alimenta máquinas, imposto sobre os insumos agrícolas, imposto sobre embalagens e tantas outras cobranças que se acumulam como camadas invisíveis no preço dos produtos.
O pior efeito é o chamado imposto sobre imposto: toda etapa tributada encarece a seguinte. O impacto cresce como uma bola de neve e se revela apenas no valor final colocado na gôndola. É um sistema que cobra muito e devolve pouco, comprimindo a renda do consumidor que só quer garantir o básico da sua alimentação.
Reforma Tributária: uma promessa de alívio, com desafios pelo caminho
A Reforma Tributária aprovada em 2024 surge como uma tentativa de reorganizar esse cenário complexo. Ao substituir o atual emaranhado por um modelo de IVA dual, ela pretende criar uma Cesta Básica Nacional com alíquota zero em todo o país, priorizando alimentos saudáveis e com valor nutricional real.
No entanto, para que o benefício chegue ao bolso do consumidor, será essencial fiscalizar a cadeia produtiva. Sem mecanismos eficientes, há risco de que a redução de impostos seja absorvida ao longo do processo, mantendo os preços altos — e preservando a desigualdade no acesso ao alimento.



