Resumo
 • Dez anos após o desastre de Fundão, os rejeitos de mineração ainda alteram o equilíbrio ecológico da bacia do Rio Doce.
 • A decomposição da matéria orgânica foi reduzida, prejudicando a fertilidade do solo e a regeneração das florestas ciliares.
 • O ambiente contaminado passou a favorecer o crescimento da braquiária, espécie invasora que se adapta melhor ao solo degradado.
 • A pesquisa analisou mais de dois mil pontos e revelou como as mudanças químicas do solo desestabilizam o ecossistema local.
 • Cientistas propõem novos métodos de monitoramento e restauração baseados em espécies nativas e equilíbrio na ciclagem de nutrientes.
A paisagem ao longo da bacia do Rio Doce carrega cicatrizes que o tempo não conseguiu apagar. Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão, os efeitos sobre o ambiente continuam a se propagar silenciosamente. Um estudo realizado por universidades brasileiras e internacionais expôs um novo e preocupante desdobramento: o solo contaminado pelos rejeitos de mineração está alterando profundamente um dos processos mais vitais da floresta — a decomposição da matéria orgânica — e, com isso, favorecendo a expansão de espécies invasoras.
Essa descoberta vai além dos impactos visíveis. A decomposição de folhas e outros resíduos naturais não é apenas parte do ciclo da vida: ela sustenta a fertilidade do solo, alimenta microrganismos, viabiliza o crescimento de novas plantas e mantém equilibrados os fluxos de nutrientes. No entanto, nas áreas afetadas pelo desastre, esse ciclo encontra-se fragmentado. A interrupção desse processo tem dificultado a regeneração da vegetação nativa e, ao mesmo tempo, facilitado a ascensão de gramíneas exóticas adaptadas a ambientes degradados.
Nova dinâmica ecológica ameaça biodiversidade
O estudo utilizou um método inovador, combinando o consagrado Tea Bag Index (TBI) — que avalia a decomposição orgânica com sachês de chá — a folhas de espécies nativas e da braquiária, uma gramínea africana considerada invasora. Essa abordagem permitiu comparar, de forma precisa, a eficiência da decomposição nas áreas preservadas em relação às áreas impactadas pelos rejeitos.
Nas regiões contaminadas, a decomposição de folhas nativas sofreu uma desaceleração significativa, comprometendo diretamente a qualidade do solo e o retorno da biodiversidade original. Em contrapartida, as folhas da braquiária se decompuseram com maior rapidez, revelando que o novo ambiente — mais pobre e quimicamente alterado — passou a favorecer espécies oportunistas, capazes de crescer em solo perturbado.
Essa mudança de ritmo, silenciosa e progressiva, representa uma ruptura nos processos ecológicos que mantêm a floresta viva. Com a braquiária ocupando espaço e recursos, as plantas nativas encontram dificuldades para germinar e se estabelecer. O solo, antes sustentáculo da diversidade, torna-se um terreno fértil para a homogeneização da paisagem, com perda de complexidade e riqueza biológica.
Um novo desafio para a restauração ambiental
A pesquisa foi realizada em cinco regiões da bacia do Rio Doce, durante o ciclo de chuvas e secas de 2023, totalizando mais de dois mil pontos de coleta. Além de acompanhar a decomposição, os cientistas também analisaram as propriedades físicas e químicas dos solos. Esses dados mostraram que a presença de rejeito mineral altera diretamente a estrutura e a fertilidade do solo, criando condições artificiais que beneficiam espécies invasoras e fragilizam o ecossistema nativo.
Com base nos resultados, os pesquisadores sugerem a adoção de estratégias de monitoramento que utilizem folhas de espécies locais como indicadores ecológicos. Esse índice adaptado pode ser um aliado poderoso para orientar programas de reflorestamento, ao identificar áreas mais críticas e avaliar o sucesso da recuperação ao longo do tempo. Além disso, recomenda-se a inserção de espécies com diferentes capacidades de decomposição, buscando restabelecer o equilíbrio da ciclagem de nutrientes e reduzir o avanço de plantas exóticas.
 


