Consumido de Norte a Sul do Brasil, o açaí se consolidou como símbolo da culinária amazônica e também como produto exportado. Entretanto, apenas cerca de 30% do fruto corresponde à polpa consumida em tigelas, sucos e acompanhamentos. Os outros 70% são o caroço, um resíduo fibroso que durante décadas foi descartado sem destino adequado, acumulando-se em lixões, terrenos baldios e até áreas alagadas. Esse cenário tem gerado preocupação ambiental, mas também abriu espaço para novas oportunidades.
No Amapá, terceiro maior produtor nacional, iniciativas locais vêm mostrando que o que antes era lixo pode se tornar insumo valioso. Com criatividade e tecnologia, empreendedores da região transformaram caroços de açaí em bebidas, carvão sustentável e fertilizantes, movimentando negócios que unem economia e preservação.
Café de açaí: inovação que nasceu da inquietação
Foi a partir de uma montanha de caroços descartados que surgiu a ideia de criar uma bebida alternativa ao café. O processo consiste em torrar e moer o caroço do fruto, originando um pó que pode ser preparado no coador ou em cápsulas. Apesar da semelhança com o café tradicional no preparo, o resultado lembra mais um chá encorpado, com propriedades energizantes e sem cafeína.
O projeto, que começou em pequena escala, hoje produz toneladas do “café de açaí” todos os meses, com versões em pó, blends e cápsulas. Além de atender o consumo local, o produto já alcança exportações para os Estados Unidos, reforçando seu potencial de mercado. A cadeia produtiva envolve centenas de famílias amapaenses que fornecem a matéria-prima, agregando renda e fortalecendo a economia regional.
Carvão de açaí: alternativa ao desmatamento
Outro destino inovador para os resíduos é a produção de carvão ecológico. Diferente do carvão vegetal convencional, que depende da queima de madeira, o produto feito com caroços de açaí apresenta menor impacto ambiental e maior eficiência energética.
Com alta durabilidade – podendo permanecer aceso por até sete horas – e baixa emissão de fumaça, o carvão ecológico já conquistou churrascarias e consumidores domésticos. Além disso, passou a ser exportado para países vizinhos, como a Guiana Francesa. O aproveitamento de pó de carvão, antes descartado, também fortalece o modelo de produção sustentável.
Biochar: fertilizante que regenera o solo
Na agricultura, os caroços de açaí vêm sendo convertidos em biochar, um tipo de carvão vegetal aplicado ao solo como fertilizante natural. O produto melhora a retenção de nutrientes, regula o pH e ainda atua como sequestrador de carbono, ajudando a combater os efeitos das mudanças climáticas.
Cada tonelada de caroço pode gerar cerca de 250 quilos de biochar, e sua aplicação já tem transformado áreas improdutivas em terrenos férteis. No Amapá, empresas especializadas alcançam produções de dezenas de toneladas mensais, fornecendo não apenas para agricultores locais, mas também abrindo portas para o mercado de créditos de carbono.
O desafio do descarte
Apesar dos avanços, ainda há muito espaço para ampliar o reaproveitamento do resíduo. Levantamentos em municípios do Amapá apontam que mais da metade dos caroços ainda é descartada de forma inadequada. Terrenos baldios, lagoas e lixões continuam recebendo toneladas desse material todos os dias, o que gera riscos ambientais e problemas sanitários.
Apenas uma parcela pequena é reaproveitada como adubo ou destinada a usos alternativos, enquanto a maioria das batedeiras de açaí ainda paga pelo recolhimento do resíduo. Essa realidade revela que, embora os projetos inovadores estejam em expansão, o desafio de transformar um passivo em ativo econômico e ambiental continua exigindo investimentos, parcerias e conscientização.
⚠️ Aviso informativo / de contexto técnico
As informações e dados abordados neste artigo referem-se a iniciativas e pesquisas regionais no Amapá e outras regiões da Amazônia, bem como estimativas de laboratório.
A produção de “café de açaí”, carvão ecológico ou biochar depende de variáveis como escala industrial, investimento, processos de purificação, regulamentação sanitária e logística.
Os resultados apresentados (rendimento de biochar, durabilidade, eficiência etc.) devem ser interpretados como indicativos com margem de variabilidade, não como garantias absolutas.