Uma medida tarifária anunciada pelos Estados Unidos está prestes a afetar profundamente um dos segmentos mais sensíveis do agronegócio brasileiro: o setor de apicultura. A partir da próxima quarta-feira, entra em vigor uma sobretaxa de 50% sobre o mel brasileiro exportado para o país norte-americano — destino responsável por absorver cerca de 85% das exportações nacionais do produto. Fora da lista de exceções que contempla quase 700 mercadorias, o mel ficou exposto à nova política e acendeu um sinal vermelho entre os produtores.
No Nordeste brasileiro, onde estão concentradas algumas das principais cooperativas e exportadoras de mel, a notícia foi recebida com preocupação. A avaliação de empresas como o Grupo Sama, sediado no Piauí, é que a medida pode desestruturar uma cadeia produtiva que envolve cerca de 450 mil famílias em todo o país, sendo que 350 mil delas dependem diretamente do mel como fonte primária de renda. Apenas no Piauí, estima-se que 40 mil famílias sentirão o impacto de forma imediata.
Dependência do mercado americano escancara fragilidade comercial
Embora o Brasil tenha buscado diversificar seus mercados nos últimos anos, o volume destinado aos EUA permanece esmagadoramente superior. O país americano é o segundo maior consumidor de mel do mundo, e os contratos com empresas brasileiras se firmaram como uma ponte essencial entre pequenos produtores locais e o comércio internacional.
É justamente essa dependência comercial que torna a sobretaxa tão danosa. Como explica o CEO do Grupo Sama, Samuel Araujo, a imposição de uma tarifa de 50% “praticamente nos retira do mercado”. A competitividade brasileira, construída ao longo de anos de investimentos em qualidade e certificações, perde força diante de um custo que se torna, de forma repentina, proibitivo para muitos compradores estrangeiros.
Agricultura familiar e pequenos produtores na linha de frente
O impacto não é apenas econômico. É também social. Grande parte da produção de mel no Brasil está vinculada à agricultura familiar, com apicultores em regiões semiáridas, muitas vezes em situação de vulnerabilidade socioeconômica. São produtores que investiram em capacitação, cooperativas e certificações internacionais, justamente para acessar mercados mais exigentes como o americano.

Com a nova tarifa, toda essa estrutura passa a correr risco. A queda de apenas 5% no volume exportado já seria suficiente para afetar diretamente as 40 mil famílias produtoras do Piauí, segundo cálculos do setor. E, como reforça Araujo, os apicultores não têm acesso direto ao mercado internacional: quem viabiliza o comércio são as empresas exportadoras, responsáveis por toda a logística, legalização e escoamento dos produtos.
Setor cobra reação rápida do governo e plano emergencial
Diante do cenário, representantes da cadeia apícola iniciaram articulações com o governo estadual do Piauí e com o governo federal para tentar mitigar os efeitos da nova medida. Um plano de contingência está em elaboração, mas há um apelo por agilidade. O setor já vinha enfrentando dificuldades desde a pandemia, com queda de produtividade, alta nos insumos e flutuação de preços internacionais.
Entre as medidas sugeridas estão a liberação imediata de créditos tributários como PIS, Cofins e ICMS — mecanismos que não exigem aporte direto de recursos do Tesouro. Também há um pedido por linhas de crédito emergenciais com juros reduzidos, que permitam às empresas manter o fluxo de caixa diante da provável redução de receitas.
A proposta inclui ainda ações compensatórias do governo estadual, que poderiam auxiliar, de forma parcial, os produtores mais atingidos — especialmente os pequenos agricultores da base da cadeia. Para os exportadores, é essencial que o poder público entenda o funcionamento do sistema: sem apoio às empresas, toda a estrutura ruirá, já que elas são o elo com o mercado externo.