A decisão dos Estados Unidos de impor sobretaxas ao café brasileiro acendeu um sinal de alerta no setor agrícola internacional. A medida, vigente desde o início de agosto, já tem causado distorções no mercado global e encarecido o café para os consumidores norte-americanos. Para o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), o impacto vai muito além da diplomacia comercial: trata-se de uma ruptura com potenciais efeitos inflacionários e desorganização na cadeia internacional do produto.
O Brasil é o maior fornecedor de café aos Estados Unidos, respondendo por mais de 30% da demanda total. Em entrevista recente, o diretor-geral do Cecafé, Marcos Matos, destacou que as tarifas representam um risco direto ao equilíbrio da oferta, especialmente em um momento de fragilidade climática na produção global. Segundo ele, substituir o café brasileiro nos blends consumidos pelos americanos não é uma tarefa simples — e, de fato, pode ser inviável a curto prazo.
Aliás, o setor cafeeiro tem um papel mais estratégico nos EUA do que muitos imaginam. A bebida é consumida por mais de três quartos da população, movimenta 1,2% do Produto Interno Bruto americano e sustenta mais de dois milhões de empregos. Com as sobretaxas, o reflexo já começa a aparecer: os preços do café na bolsa internacional saltaram de US$ 2,70 para US$ 3,60 por libra-peso. Essa valorização repentina, conforme apontado pelo Cecafé, tem relação direta com a nova política tarifária e pressiona o consumidor na ponta.
Pressão no campo e instabilidade comercial
Enquanto o cenário internacional se mostra cada vez mais instável, os produtores brasileiros enfrentam uma realidade preocupante. Muitos contratos já foram adiados ou cancelados, sendo substituídos por cafés de outras origens, mesmo com custos mais elevados. Essa substituição, além de representar perdas financeiras imediatas para os exportadores, afeta também a previsibilidade do setor — que já vinha lidando com um mercado invertido, juros altos e incertezas nas entregas futuras.
Internamente, o governo brasileiro até anunciou linhas de crédito para mitigar os efeitos da crise, mas, segundo o Cecafé, ainda faltam definições claras quanto a prazos de carência, limites de financiamento e condições de pagamento. Outro entrave apontado pela entidade é que o café verde — responsável por 90% das exportações ao mercado norte-americano — não está contemplado no atual formato do Reintegra, dificultando ainda mais a recuperação do setor.
Negociação diplomática e riscos globais
Na tentativa de reverter esse cenário, o Cecafé articula uma ofensiva diplomática. Uma comitiva brasileira, com representantes da indústria e do agronegócio, viajará aos Estados Unidos em setembro. A proposta é unir esforços com a National Coffee Association e autoridades da Confederação Nacional da Indústria para sensibilizar o governo norte-americano sobre os impactos negativos das tarifas. A entidade afirma que parte da decisão americana se baseia em diagnósticos equivocados sobre o setor cafeeiro brasileiro e que o diálogo direto pode corrigir distorções.
Paralelamente, o Brasil segue expandindo suas frentes comerciais com a União Europeia, China e países árabes, consolidando a diversificação dos destinos de exportação. Contudo, os EUA permanecem como o maior consumidor mundial de café — com demanda cinco vezes maior que a da China — e perder esse mercado seria um revés estratégico com efeitos de longo prazo.