A decisão da Comissão Europeia de adiar novamente a entrada em vigor da nova legislação antidesmatamento não foi exatamente inesperada — especialmente para o setor cafeeiro, que vem acompanhando de perto cada etapa do processo. O anúncio, feito nesta terça-feira (23), revela mais do que um simples ajuste no calendário: ele expõe as dificuldades técnicas e operacionais que envolvem a implementação do Regulamento de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR, na sigla em inglês).
Para o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), o adiamento confirma aquilo que o setor já sinalizava nos bastidores — a lei é ambiciosa, mas ainda carece de estrutura tecnológica, clareza jurídica e apoio logístico para ser viável em larga escala. A extensão do prazo por mais um ano, avaliam os representantes do conselho, não apenas traz alívio momentâneo, mas também reforça a urgência de se discutir a fundo os impactos sobre cadeias produtivas complexas, como a do café.
A engrenagem lenta de uma regulação ambiciosa
Ao mirar a proibição da entrada de produtos ligados ao desmatamento em solo europeu, o EUDR se propõe a revolucionar os critérios de sustentabilidade no comércio internacional. No entanto, o objetivo esbarra na própria engrenagem que tenta regular: cadeias produtivas descentralizadas, realidades socioeconômicas diversas e sistemas de rastreabilidade que ainda estão longe da padronização exigida por Bruxelas.
De acordo com o Cecafé, as exigências previstas — como comprovação geolocalizada de que o café não foi cultivado em áreas desmatadas após 2020 — ainda estão fora do alcance da maioria dos pequenos e médios produtores brasileiros. A legislação demanda sistemas robustos de verificação, interoperabilidade entre plataformas e uma padronização de dados que sequer está consolidada nos países da própria União Europeia. O Brasil, embora líder nas exportações de café, ainda enfrenta um hiato tecnológico e burocrático que torna o cumprimento do regulamento uma corrida contra o tempo.
Café brasileiro em xeque: volume recorde e novas incertezas
Em 2024, o Brasil embarcou cerca de 23,6 milhões de sacas de café ao mercado europeu, um crescimento expressivo de 42,8% em relação ao ano anterior. A União Europeia, sozinha, absorve quase metade das exportações nacionais. Essa dependência comercial torna qualquer alteração regulatória um fator de grande impacto para a cafeicultura nacional.
O risco de exclusão de mercados — caso produtores não consigam atender às exigências do EUDR — levanta preocupações legítimas. O próprio Cecafé já alertava desde o início do ano sobre a necessidade de um diálogo mais amplo e técnico entre os países exportadores e as autoridades europeias. Em maio, a entidade participou de uma missão na Europa justamente para discutir os gargalos práticos da aplicação da lei, reforçando que a norma ainda era, nas palavras do próprio conselho, “um trabalho em andamento”.
Uma pausa estratégica ou um impasse sem solução?
Embora o novo adiamento represente, na prática, mais tempo para adaptação, ele também acende um sinal amarelo quanto à real viabilidade do EUDR em setores com tanta capilaridade como o da cafeicultura. O Brasil, com mais de 300 mil produtores de café — muitos dos quais em áreas pequenas e familiares — enfrenta um desafio duplo: além de cumprir requisitos ambientais rigorosos, precisa integrar esse esforço a uma estrutura de produção ainda marcada pela informalidade e pela escassez de recursos tecnológicos.
O debate, agora, vai além da questão ambiental. Está em jogo a capacidade de articulação entre o setor privado, o governo brasileiro e os parceiros europeus para construir soluções técnicas e regulatórias que não penalizem a competitividade do café nacional. O adiamento, nesse cenário, não resolve o problema — apenas adia a complexidade.