Na noite de segunda-feira, uma cena extraordinária aconteceu no Jardim Botânico da Universidade de Varsóvia: uma Amorphophallus titanum, popularmente conhecida como flor-cadáver, desabrochou pela primeira vez em anos, revelando não apenas sua exuberância exótica, mas também o odor forte e nauseante de carne em decomposição. A espécie, nativa das florestas tropicais de Sumatra, na Indonésia, é uma das maiores e mais peculiares flores do mundo vegetal, tanto em porte quanto em comportamento.
Com mais de 1,80 metro de altura e 1,20 metro de largura, o exemplar polonês rapidamente se tornou o centro das atenções. E não é para menos: além da aparência escultural, que lembra uma taça aberta em tons que vão do verde ao púrpura, a planta exala um cheiro intensamente desagradável, que serve para atrair insetos polinizadores como moscas e besouros — criaturas que naturalmente se aproximam de matéria orgânica em decomposição.
Uma flor que floresce poucas vezes na vida
Segundo o engenheiro agrônomo Marcos Estevão Feliciano, especialista em botânica tropical, o ciclo de floração da Amorphophallus titanum é extremamente imprevisível. “Essa planta pode levar de 7 a 10 anos para florescer pela primeira vez, e, mesmo depois disso, o evento continua sendo raro. É como assistir a um eclipse da natureza”, explica.

Durante esse curto período — geralmente de 24 a 48 horas — a flor entra em um estágio de intensa atividade metabólica, emitindo calor para intensificar o odor fétido e aumentar sua atratividade para os polinizadores. “É um espetáculo raro e brutal da natureza: beleza, repulsa e estratégia evolutiva coexistindo na mesma flor”, comenta o especialista.
Beleza exótica com cheiro de morte
Apesar do apelido mórbido, a flor-cadáver é um verdadeiro símbolo da biodiversidade e da resistência de ecossistemas tropicais. Seu nome científico, Amorphophallus titanum, faz referência à sua estrutura incomum e de grandes proporções, com uma inflorescência que pode ultrapassar os 3 metros em espécimes maduros na natureza.
A arquiteta paisagista July Franchesca Dallagrana, que já trabalhou em coleções botânicas tropicais, afirma que o impacto visual da planta vai muito além do odor. “Ela tem um valor ornamental simbólico. É uma flor que nos força a olhar para além da estética tradicional e enxergar beleza mesmo no que provoca estranhamento”, diz.

Além disso, July explica que o cultivo da flor-cadáver em jardins botânicos requer cuidados técnicos rigorosos. “É preciso manter o ambiente com alta umidade, substrato rico em matéria orgânica e controle térmico preciso, simulando as condições das florestas úmidas de Sumatra. Mesmo assim, não há garantias de floração frequente.”
Uma experiência sensorial única — e passageira
Em Varsóvia, centenas de visitantes formaram filas para ver a flor enquanto ainda estava aberta, já que a floração completa dura pouquíssimo tempo. O Jardim Botânico instalou câmeras e painéis informativos para acompanhar o evento em tempo real, transformando o momento em uma verdadeira aula viva de botânica para o público europeu.
A rara floração da Amorphophallus titanum é, ao mesmo tempo, um convite à contemplação e à reflexão sobre a diversidade das formas de vida no planeta. Mesmo com seu odor desconcertante, ela inspira curiosidade, fascínio e respeito — mostrando que, na natureza, até o fedor pode ter um propósito nobre.