Resumo
• A retirada de plantas de jardins públicos ou privados é crime ambiental no Brasil, com pena de detenção e multa, conforme a Lei de Crimes Ambientais e o Código Penal.
• Especialistas explicam que o roubo de plantas tem crescido devido à valorização das espécies ornamentais e à pouca fiscalização, criando um ambiente de impunidade.
• Medidas como registrar ocorrência, instalar câmeras e fixar vasos ao chão ajudam a prevenir furtos e fortalecer a proteção do jardim.
• O ato de furtar plantas pode ter motivações emocionais, segundo a psicologia, indo além do oportunismo e envolvendo busca por acolhimento ou impulsividade.
• Organizações internacionais e iniciativas brasileiras combatem o comércio ilegal de plantas, incentivando compras de origem legal e denúncias de práticas suspeitas.
Em muitas cidades brasileiras, quem cultiva um jardim na calçada, no quintal ou na varanda já viveu a mesma frustração: acordar e descobrir que aquele vaso de suculentas, a muda rara de costela-de-adão ou a trepadeira que estava se desenvolvendo há meses simplesmente desapareceram. À medida que o paisagismo ganha espaço na rotina urbana e as plantas ornamentais se tornam objeto de desejo, o furto de espécies em ruas, praças e condomínios deixou de ser um episódio isolado e passou a ser um problema recorrente. Ainda assim, muita gente não faz ideia de que essa prática não é “apenas falta de educação”: trata-se de crime previsto em lei.
Além do prejuízo financeiro e do abalo afetivo — afinal, muitas plantas acompanham histórias de família, presentes especiais ou coleções construídas ao longo do tempo —, o roubo de espécies também impacta a paisagem da cidade e alimenta um mercado informal que pouco se preocupa com a conservação da flora. Por isso, entender como a legislação enxerga essa conduta é um primeiro passo importante para que jardineiros, síndicos e moradores saibam como reagir, denunciar e se proteger. Confira os tópicos:
É crime, sim
Por que o roubo de plantas está mais frequente?
Medidas práticas para proteger o seu jardim
Quando o roubo de plantas revela algo além do crime
O papel das organizações na luta contra o comércio ilegal de plantas
Atitudes do consumidor que fazem diferença
É crime, sim: como a lei enxerga o furto de plantas
De acordo com a advogada Juliane Altmann Berwig, especialista em Direito Ambiental e Imobiliário, retirar uma planta ornamental de um jardim alheio, de um canteiro público ou de um condomínio pode configurar crime ambiental. Ela explica que o comportamento se enquadra no artigo 49 da Lei 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, que pune quem destrói, danifica, lesiona ou maltrata, por qualquer meio, plantas de ornamentação situadas em logradouros públicos ou em propriedades privadas de terceiros.

A lei prevê pena de detenção de três meses a um ano, além de multa, que pode ser aplicada de forma conjunta, dependendo da gravidade do caso e da avaliação da autoridade responsável. Em outras palavras, arrancar aquela muda de hibisco do jardim do vizinho ou levar discretamente uma bromélia de uma praça não é um “jeitinho” para economizar na floricultura, mas uma infração que pode gerar processo criminal.
Juliane ressalta que a situação pode ainda ser analisada sob outros dispositivos legais, em especial o artigo 163 do Código Penal, que trata do crime de dano ao patrimônio, e os artigos 186 e 927 do Código Civil, que estabelecem a obrigação de reparar o prejuízo causado. Assim, além da esfera ambiental, o autor do furto pode ser obrigado a indenizar o dono da planta, seja pelo valor de mercado, seja por danos complementares quando houver comprovação.
Um ponto interessante do raciocínio jurídico é a diferença entre furto e dano. A advogada explica que, enquanto o furto, em regra, recai sobre “coisa móvel”, as plantas enraizadas não se encaixam diretamente nessa categoria, motivo pelo qual o enquadramento tende a caminhar para o crime de dano e para o crime ambiental. Entretanto, no momento em que a planta é arrancada e transportada, podem surgir discussões mais complexas na interpretação do caso concreto.
Por que o roubo de plantas está mais frequente?
Se, por um lado, a valorização do paisagismo trouxe mais verde para sacadas, quintais e áreas comuns, por outro, também tornou certas espécies cobiçadas. Plantas que antes passavam despercebidas agora são protagonistas de projetos decorativos em revistas, redes sociais e programas de televisão, o que ajuda a explicar a escalada de furtos.
Folhagens de grande apelo estético, como a costela-de-adão, o guaimbê e outras plantas tropicais de grande porte, passaram a ser disputadas em viveiros e coleções particulares e podem atingir valores significativos. Além disso, suculentas menos comuns, cactos raros e espécies exóticas também entraram na mira de quem busca lucro com revenda rápida ou simplesmente quer compor um jardim “dos sonhos” sem pagar por isso.
Juliane observa que esse aumento de casos não está ligado apenas à maior circulação de plantas valiosas, mas também à baixa percepção social da gravidade do ato. Muitas pessoas ainda veem o roubo de plantas como algo “inofensivo”, sobretudo quando se trata de mudas pequenas ou de espécies cultivadas em áreas públicas. Entretanto, esse olhar minimiza o esforço de quem cuida, aduba, protege e acompanha o desenvolvimento das plantas ao longo do tempo.
Outro fator importante é a falta de fiscalização efetiva, tanto em espaços públicos quanto em condomínios. Sem câmeras, sem registros e sem denúncias formais, os episódios se repetem. Assim, a ausência de consequências concretas acaba alimentando um ciclo de impunidade, em que o infrator se sente à vontade para agir novamente, muitas vezes na mesma rua ou no mesmo bairro.
Medidas práticas para proteger o seu jardim
Embora não exista solução infalível, alguns cuidados reduzem muito a chance de furtos e, ao mesmo tempo, mostram que aquele jardim tem donos atentos e dispostos a defender seu espaço verde. A advogada Juliane Altmann Berwig reforça que o primeiro passo, sempre que houver dano ou roubo identificado, é registrar um boletim de ocorrência. Essa formalização é essencial para que o fato não desapareça nas estatísticas e para que o poder público tenha base para atuar.
Ela orienta que, sempre que possível, o morador guarde provas do que aconteceu, como fotos do local antes e depois do furto, vídeos de câmeras de segurança, relatos de testemunhas e registros da planta, especialmente em casos de espécies raras ou de alto valor ornamental. Essas evidências ajudam a caracterizar o crime ambiental e o dano patrimonial, além de facilitar a identificação da autoria quando as imagens flagram a ação.
Em termos de prevenção, Juliane destaca que a combinação entre bom projeto de paisagismo e estratégias de segurança costuma ser a mais eficiente. Instalar câmeras em pontos estratégicos, manter boa iluminação em calçadas e áreas comuns, reforçar portões e muros e mobilizar vizinhos para observar movimentações suspeitas são atitudes simples que fazem diferença. Em condomínios, avisos internos e campanhas educativas ajudam a conscientizar moradores e funcionários de que o roubo de plantas não é um “incômodo menor”, mas um crime real.
A paisagista Caterina Poli acrescenta um aspecto prático que muitas vezes passa despercebido: a forma como os vasos e canteiros são fixados. Segundo ela, é possível utilizar técnicas da construção civil para prender vasos ao chão, à parede ou a suportes metálicos, com o uso de cimento, argamassa ou ferragens discretas. Esse cuidado não impede totalmente a ação, mas dificulta a retirada rápida, o que desestimula furtadores que buscam alvos fáceis e preferem plantas soltas, leves e em locais muito acessíveis.
Além disso, Caterina recomenda avaliar quais espécies serão colocadas em pontos mais vulneráveis, como calçadas estreitas ou áreas de grande circulação. Em vez de expor exemplares raros e de alto valor, pode ser mais prudente reservá-los para áreas internas, pátios protegidos ou jardins internos, deixando para a fachada plantas mais comuns, de reposição simples, ou que possam ser multiplicadas com facilidade a partir de podas e mudas.
Quando o roubo de plantas revela algo além do crime
Embora o aspecto jurídico seja fundamental, o furto de plantas também pode estar ligado a questões emocionais mais complexas. A psicóloga carioca Mara Braile observa que, em muitos casos, não se trata apenas de oportunismo ou busca por ganho financeiro. As plantas carregam simbolismo, memória afetiva e uma relação profunda com o cuidado, o tempo e a vida, o que ajuda a explicar por que algumas pessoas se envolvem emocionalmente com esse tipo de gesto.
Mara explica que, para muitos indivíduos, o contato com o verde funciona como uma forma de nutrição emocional. Cuidar de um vaso, observar o crescimento de uma muda e celebrar uma floração são experiências que aliviam a ansiedade e dão sensação de propósito. Quando a vida está atravessada por perdas, solidão ou estresse intenso, levar uma planta alheia pode ser, em alguns casos, uma tentativa inconsciente de preencher um vazio, de se cercar de beleza sem encarar o custo financeiro ou afetivo daquela escolha.
Ela lembra que, em situações mais raras, o comportamento pode estar associado a transtornos de controle de impulso, como a cleptomania, em que a pessoa sente grande dificuldade em resistir ao desejo de furtar objetos, mesmo que eles não tenham grande valor econômico. Nesses quadros, o foco não é a planta em si, mas o alívio momentâneo que o ato proporciona, seguido quase sempre de culpa e sofrimento.
Isso não significa, entretanto, que o roubo de plantas deva ser relativizado ou tolerado. Segundo Mara, o ideal é que, em condomínios e vizinhanças, o problema seja enfrentado com firmeza, mas também com alguma empatia. É possível reforçar a segurança, registrar ocorrências e, ao mesmo tempo, criar espaços de diálogo, como hortas comunitárias, trocas de mudas entre moradores e projetos coletivos de jardinagem. Assim, o acesso ao verde deixa de ser motivo de conflito e passa a ser uma oportunidade de convivência.
Para ela, as plantas funcionam como espelhos sutis do que falta na nossa rotina. Quando alguém sente necessidade de “roubar” um pouco de verde, muitas vezes está buscando, ainda que de maneira distorcida, acolhimento, vida e esperança. Transformar esse impulso em participação em jardins comunitários, feiras de troca de mudas ou grupos de cultivo pode ser um caminho mais saudável para todos.
O papel das organizações na luta contra o comércio ilegal de plantas
Para além dos furtos pontuais em calçadas e varandas, existe um problema ainda mais amplo: o comércio ilegal de plantas ornamentais e de espécies ameaçadas. Esse mercado paralelo movimenta grandes quantias, coloca em risco a biodiversidade e contribui para a retirada predatória de exemplares raros de seus ambientes naturais. Ainda que nem sempre receba o mesmo destaque que o tráfico de animais ou de madeira, o tráfico de plantas tem impacto comparável em alguns ecossistemas.
Nesse cenário, coalizões internacionais ganharam importância nos últimos anos. Uma das mais relevantes é a Illegal Plant Trade Coalition (IPTC), que reúne jardins botânicos, instituições científicas e organizações ambientais em torno de um objetivo comum: entender, monitorar e reduzir o comércio ilegal de plantas. Coordenada pela Botanic Gardens Conservation International (BGCI), a iniciativa atua em várias frentes, que vão desde pesquisas sobre rotas de tráfico de orquídeas, cactos e suculentas raras até campanhas educativas voltadas a colecionadores e comerciantes.
A IPTC também apoia a formulação de políticas públicas e legislações mais rígidas, além de colaborar com autoridades ambientais e aduaneiras para rastrear e interceptar remessas ilegais. Essa cooperação entre ciência e fiscalização é essencial para identificar tendências, reconhecer espécies mais vulneráveis e orientar medidas de proteção em escala global.
No Brasil, a discussão sobre o comércio ilegal de plantas vem ganhando espaço em instituições de referência. Campanhas como “Comércio Ilegal Não é Legal”, promovida pelo Jardim Botânico de Bauru em alinhamento com ações globais do BGCI, buscam sensibilizar o público sobre a importância de adquirir plantas apenas de fontes legais e registradas. A mensagem é direta: ao comprar espécies de procedência duvidosa, o consumidor participa, ainda que indiretamente, de uma cadeia que pode levar à extinção de plantas nativas e ameaçadas.
Atitudes do consumidor que fazem diferença
Ainda que toda a engrenagem legal e institucional seja fundamental, o comportamento cotidiano de quem ama jardinagem e coleciona plantas é decisivo para frear tanto o roubo de plantas em pequena escala quanto o comércio ilegal em maior proporção. A psicóloga Mara Braile lembra que cada escolha de compra carrega um posicionamento ético e ambiental, por isso, vale redobrar a atenção.
Na prática, isso significa evitar adquirir plantas de origem duvidosa, vendidas sem nota fiscal ou sem informações claras sobre procedência, seja em feiras, nas ruas ou em anúncios informais em redes sociais. Optar por viveiros confiáveis, produtores registrados e projetos que respeitam a legislação ambiental é uma forma de fortalecer quem trabalha corretamente e desestimular mercados paralelos.
Quando uma situação suspeita é identificada, como a venda de espécies raras em grande quantidade ou sem qualquer documentação, é possível acionar órgãos como o IBAMA, a Polícia Ambiental ou as secretarias ambientais locais. A denúncia pode ser feita de forma discreta, mas tem peso importante na construção de um ambiente menos tolerante a práticas ilegais.
Além disso, apoiar campanhas, projetos de conservação e instituições que atuam na proteção da flora é uma maneira de proteger, ao mesmo tempo, o jardim de casa e os ecossistemas que fornecem a diversidade de plantas que tanto encantam. Assim, o amor pelas espécies ornamentais se traduz não apenas em vasos bem cuidados, mas em uma postura ativa em defesa das plantas, dos jardins e da natureza como um todo.



