A tilápia, protagonista absoluta da aquicultura brasileira e presente no prato de milhões de famílias, entrou no centro de uma polêmica que vem gerando reações intensas em diferentes esferas da sociedade. O que antes era sinônimo de segurança alimentar e desenvolvimento rural, agora corre o risco de ser rotulado como ameaça ambiental.
A discussão ganhou força após o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) atualizar a lista de espécies exóticas invasoras em unidades de conservação federais. Entre as 290 espécies listadas — 162 da flora e 128 da fauna —, destacam-se justamente os peixes, com a tilápia ocupando lugar de destaque. O documento identificou a presença das espécies Oreochromis niloticus e Coptodon rendalli em 44 e 50 unidades de conservação, respectivamente.
Tilápia: de motor da piscicultura a possível vilã ambiental
Cultivada há mais de meio século no país, a tilápia corresponde atualmente a 68% de toda a produção de peixes de cultivo no Brasil. Apenas em 2024, foram 662 mil toneladas produzidas, movimentando não só o agronegócio, mas também a economia regional em estados como o Paraná — responsável por mais de um terço dessa produção.
Entretanto, sua versatilidade ecológica, antes vista como vantagem, agora é apontada como fator de risco. Com grande resistência a variações de temperatura, dieta generalista e alta taxa de reprodução, a tilápia passou a ser associada a impactos negativos em ambientes naturais. Estudos ambientais indicam que, ao escapar de tanques e viveiros, ela pode disputar espaço com espécies nativas, predar ovos e alterar ecossistemas inteiros.

Ainda que essas situações ocorram, especialmente em áreas mal manejadas ou sem contenção adequada, o tema divide opiniões técnicas. Enquanto setores ambientais classificam a tilápia como exótica invasora, o setor produtivo defende que o cultivo é controlado, autorizado há décadas pelo próprio Ibama e fundamental para a segurança alimentar do país.
Setor reage: impactos econômicos e insegurança regulatória
A proposta de inclusão da tilápia na lista nacional de espécies exóticas invasoras, levada pela Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio) à votação no dia 8 de novembro, despertou fortes reações no setor. No Paraná, por exemplo, a cadeia da tilápia gera mais de 2.200 empregos e envolve desde a produção de ração até frigoríficos, logística e comércio interno.
A Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR) se manifestou publicamente contra a iniciativa. Em nota, a entidade expressou “profunda preocupação” e alegou que a decisão carece de debate técnico adequado. Para os representantes do setor, equiparar a tilápia ao javali — também classificado como espécie invasora — representa um salto perigoso que pode gerar insegurança jurídica e econômica em todo o país.
Além disso, a Peixe BR criticou a ausência de prazos para defesa e afirmou que os estudos que embasam a minuta vêm sendo realizados desde 2009, sem diálogo transparente com os produtores. O documento apresentado pelo Ministério do Meio Ambiente durante reunião do CONAPE/MPA também incluiu peixes nativos fora de suas bacias, espécies híbridas e camarões, o que ampliou ainda mais as preocupações da cadeia aquícola.
Governo afirma que decisão é técnica e não implica em banimento
Diante da repercussão, o Ministério do Meio Ambiente esclareceu que a lista ainda está em fase consultiva e que, mesmo se aprovada, não implica em proibição automática do cultivo. Segundo o governo, a iniciativa tem caráter preventivo e visa mapear espécies com potencial de impacto à biodiversidade, estabelecendo diretrizes para um eventual controle, sem afetar diretamente os produtores no curto prazo.
A pasta também destacou que reconhece a importância econômica da tilápia no Brasil e que qualquer medida futura será tomada com base em estudos científicos, diálogo com os setores envolvidos e políticas que conciliem desenvolvimento sustentável com proteção ambiental.
Ainda assim, o desconforto permanece. Para os produtores, a simples classificação da espécie como invasora pode abrir margem para ações judiciais, restrições estaduais e insegurança para novos investimentos. Ao mesmo tempo, ambientalistas sustentam que a preservação dos ecossistemas precisa ser prioridade, sobretudo em um país de rica biodiversidade e com histórico de introdução descontrolada de espécies.