Em meio aos desafios que moldam a realidade da pecuária brasileira, a brucelose bovina segue como uma ameaça persistente. Silenciosa, mas devastadora, essa zoonose compromete não apenas a eficiência reprodutiva dos rebanhos, mas também impõe riscos concretos à saúde pública e causa prejuízos econômicos que ultrapassam R$ 1 bilhão anualmente.
A boa notícia, no entanto, é que o avanço nas estratégias de vacinação e o reforço com a vacina RB51 têm oferecido uma resposta eficaz diante do cenário preocupante.
A ameaça invisível que atinge campo e cidade
Causada pela bactéria Brucella abortus, a brucelose afeta principalmente o sistema reprodutivo dos bovinos, resultando em abortos, infertilidade e uma queda significativa na produtividade de leite e bezerros. A infecção se espalha de forma insidiosa, por meio de secreções, restos placentários, urina, leite e até sangue de animais contaminados. Em casos menos frequentes, a transmissão também pode ocorrer por via venérea, aumentando ainda mais os pontos de risco dentro das propriedades.
Embora os impactos diretos sejam sentidos com mais intensidade dentro da porteira, a doença vai além do campo. Trata-se de uma zoonose — ou seja, pode ser transmitida para seres humanos, principalmente por meio do contato direto com animais infectados ou pelo consumo de produtos de origem animal não submetidos à pasteurização. O resultado é um risco latente que recai sobre trabalhadores rurais, veterinários, tratadores e, eventualmente, sobre a população urbana que consome produtos sem o devido controle sanitário.
Quando um aborto compromete todo o ciclo produtivo
Na prática, um dos momentos mais críticos provocados pela brucelose ocorre na reta final da gestação. Quando uma vaca aborta já no fim do período gestacional, o prejuízo é duplo: além da perda do bezerro, o produtor vê escapar todo o investimento feito ao longo de meses em genética, nutrição e manejo. Esse impacto se reflete na quebra do planejamento reprodutivo, na redução da produção de leite e, em casos mais graves, na inviabilidade econômica da própria atividade.
Esse efeito é sentido tanto na pecuária de leite quanto na de corte. Quando uma única fêmea produtiva é comprometida, o reflexo atinge todo o rebanho, dificultando a renovação do plantel e reduzindo a eficiência reprodutiva da fazenda. O custo de manter animais que não produzem torna-se um peso que, somado a perdas indiretas, alimenta o prejuízo nacional que ultrapassa a marca de um bilhão de reais ao ano.
Vacinação obrigatória e reforço com RB51: a nova camada de proteção
Desde 2001, o Brasil estabeleceu a vacinação obrigatória de bezerras com idade entre três e oito meses utilizando a vacina B19, conforme determina o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal. Esse protocolo é a base da prevenção nas propriedades, garantindo que a maioria das fêmeas ingresse no sistema produtivo com algum grau de imunidade.
Entretanto, com o passar dos anos e diante de falhas pontuais na cobertura vacinal em determinadas regiões, a revacinação com a vacina RB51 ganhou espaço como estratégia complementar. O diferencial da RB51 é sua versatilidade: além de poder ser aplicada na mesma faixa etária da B19, também é autorizada para fêmeas adultas, ampliando a cobertura imunológica do rebanho, inclusive em propriedades que não seguiram corretamente o calendário vacinal original.
Estudos já indicam que o reforço com RB51 potencializa a resposta imunológica dos animais, reduz a incidência de casos positivos nos testes sorológicos e contribui significativamente para a redução do risco de disseminação da doença. Em um país de dimensões continentais, onde o controle uniforme é um desafio, essa alternativa tem se mostrado vital para conter o avanço da zoonose.
Biosseguridade e manejo: sem eles, a vacina não basta
A eficácia da vacinação, porém, depende diretamente das práticas de biosseguridade adotadas nas propriedades. A entrada de animais sem histórico sanitário é, muitas vezes, o ponto inicial de surtos de brucelose em rebanhos que antes estavam saudáveis. É por isso que medidas como quarentena de novos animais, testagem prévia, uso rigoroso de equipamentos de proteção individual e higienização constante dos currais e instrumentos são essenciais.
Outro ponto crítico é o destino de animais diagnosticados com a doença. A legislação sanitária brasileira prevê o sacrifício desses indivíduos, justamente para evitar que a Brucella abortus permaneça circulando no ambiente e siga contaminando o rebanho. Além disso, fetos abortados e material biológico devem ser tratados com extremo cuidado e descartados corretamente, com supervisão técnica.
Quando o risco chega à mesa
Embora a brucelose bovina esteja intimamente ligada ao ambiente rural, seus efeitos podem chegar com facilidade ao cotidiano urbano. O consumo de leite cru, que ainda ocorre em algumas regiões, representa um dos principais vetores de transmissão para humanos. O mesmo vale para derivados lácteos produzidos sem pasteurização ou inspeção sanitária adequada, além de carne contaminada.
Para a população geral, o alerta é claro: consumir apenas produtos de origem animal com certificação e procedência segura. No campo, a atenção redobrada deve ser voltada aos profissionais que lidam com o rebanho: o uso de luvas, botas, aventais e óculos de proteção não é apenas uma recomendação técnica, mas uma salvaguarda fundamental contra uma infecção que pode se tornar crônica, causar febres recorrentes, dores musculares e quadros debilitantes em humanos.
Com estratégias bem definidas de vacinação, reforço imunológico e controle sanitário, a pecuária brasileira tem meios concretos para reduzir drasticamente a incidência da brucelose. O desafio, no entanto, exige compromisso contínuo e vigilância — tanto por parte dos produtores quanto dos órgãos responsáveis pela saúde animal e humana. Afinal, conter a brucelose é proteger o rebanho, a produtividade e a vida.