A carne bovina tem se tornado um item de luxo para muitos consumidores norte-americanos. O aumento dos preços, que já vinha sendo sentido ao longo de 2025, é reflexo direto de um cenário complexo, marcado por uma combinação entre problemas estruturais da pecuária, eventos climáticos severos e políticas comerciais que restringem a entrada de produtos de fora. O rebanho bovino dos Estados Unidos vive seu momento mais enxuto em mais de sete décadas, e essa redução acentuada está afetando a oferta de carne em toda a cadeia produtiva.
No início do ano, o número de cabeças no país chegou a 86,7 milhões, segundo dados do USDA, o Departamento de Agricultura norte-americano. Ainda que o número tenha subido para 94,2 milhões em julho, o volume segue inferior ao registrado em 2023 — uma queda que impacta diretamente na produção nacional. Essa escassez de animais é resultado, em grande parte, da seca prolongada que castigou importantes regiões pecuárias e da intensificação do abate de fêmeas no ciclo anterior, o que comprometeu a renovação dos plantéis e a geração de novos bezerros.
Além das condições ambientais desfavoráveis, outro fator que complicou a recomposição do rebanho foi a suspensão da importação de gado vivo do México. Com o bloqueio, motivado por questões sanitárias, os Estados Unidos perderam uma via estratégica que contribuía com o equilíbrio da oferta interna. Isso limita o volume de carne disponível no mercado e aumenta a pressão sobre o consumidor, que já começa a sentir o efeito nas prateleiras.
De acordo com dados oficiais, a produção de carne bovina entre janeiro e julho deste ano foi 2% menor do que no mesmo período de 2024. Essa retração tem impacto direto sobre os preços, que subiram em todos os segmentos — do frigorífico ao varejo. A carne moída, uma das mais consumidas nos lares norte-americanos, teve aumento de 3,3% apenas entre junho e julho, e a alta acumulada já supera 13% em um ano. Cortes populares para churrasco também ficaram mais caros, com elevação de quase 10% frente ao ano anterior.
Brasil e Austrália ajudaram a suprir parte da demanda, mas tarifa muda cenário
Com a escassez de produção interna, os Estados Unidos vinham recorrendo às importações para manter o abastecimento. Brasil e Austrália lideravam o fornecimento de carne bovina in natura, com números expressivos. Só entre janeiro e julho, o Brasil enviou 169,2 mil toneladas ao mercado norte-americano — volume mais do que o dobro registrado no mesmo período de 2024.
Entretanto, esse fluxo comercial começou a ser afetado por uma nova medida tarifária imposta pelo governo dos EUA. Com a aplicação de uma taxa de 50% sobre a carne bovina brasileira, o custo do produto disparou, reduzindo sua competitividade frente a outros fornecedores. Isso deve comprometer os próximos embarques e forçar o Brasil a redirecionar parte da sua produção a outros destinos, como China e Oriente Médio.
A decisão dos EUA, além de dificultar o acesso à carne brasileira, surge num momento especialmente delicado: o país ainda enfrenta os efeitos da retração do rebanho e não há uma recuperação à vista no curto prazo. A dependência crescente de importações colide com uma política de proteção tarifária, gerando um dilema entre manter o suprimento interno ou conter a entrada de concorrentes externos.
Impactos no consumidor e nas perspectivas do setor
No cenário atual, os consumidores norte-americanos deverão conviver com preços mais elevados até que o ciclo de recomposição do rebanho se estabilize — o que, segundo projeções, pode levar pelo menos dois anos. A ausência de gado jovem disponível para engorda, somada ao encarecimento das importações, tende a manter os valores da carne bovina em patamares elevados.
Mesmo que os supermercados tentem absorver parte dos custos, o reflexo nas gôndolas é inevitável. O consumo tende a migrar para proteínas alternativas, como frango e carne suína, o que pode provocar uma mudança temporária no padrão alimentar da população. Ao mesmo tempo, produtores e indústrias buscam soluções logísticas e estratégicas para minimizar perdas e ajustar a oferta em um mercado cada vez mais volátil.
A carne bovina, tradicional protagonista na dieta norte-americana, agora se encontra no centro de uma crise que envolve não apenas os campos e frigoríficos, mas também decisões políticas e econômicas de grande escala. Nesse novo cenário, o desafio está em equilibrar oferta, demanda e acesso ao produto — em meio a um mercado cada vez mais pressionado por eventos globais e pela própria natureza da cadeia pecuária.