A pecuária ovina no Brasil entra em uma nova fase com a chegada de um projeto que promete redefinir o padrão produtivo nos campos. Desenvolvida pela Embrapa Pecuária Sul, no Rio Grande do Sul, a chamada “ovelha do futuro” une, em um só animal, quatro atributos genéticos estratégicos: prolificidade elevada, melhor rendimento de carcaça, resistência natural a verminoses e perda espontânea de lã. A iniciativa aponta para um modelo de produção mais eficiente, adaptado à realidade climática e econômica dos criadores brasileiros, sem abrir mão do bem-estar animal.
Com base em décadas de pesquisa e seleção, o rebanho experimental da Embrapa já apresenta exemplares que reúnem essas características. O próximo passo é validar a genética com criadores parceiros, para então expandir sua presença em rebanhos comerciais e tornar viável, em larga escala, uma ovinocultura mais produtiva, resiliente e rentável.
Uma revolução silenciosa no campo
A força do projeto está na combinação de avanços genéticos que, juntos, têm potencial para dobrar a eficiência da produção de cordeiros de corte no país. A seleção das características mais desejáveis é feita de forma minuciosa, alternando o uso de marcadores genéticos (genótipos) e observação direta dos indivíduos (fenótipos), conforme o tipo de atributo buscado.
Enquanto o desempenho de carcaça e prolificidade é rastreado via genoma, a resistência à verminose e a perda espontânea da lã são acompanhadas pela análise do comportamento dos animais em campo. Isso permite uma seleção mais precisa e rápida, resultando em rebanhos com desempenho superior e custos operacionais reduzidos.
Parceiros no desenvolvimento do futuro
A aplicação prática da inovação acontece por meio da transferência de reprodutores selecionados para criadores parceiros, num modelo de comodato. Esses carneiros da Embrapa são cruzados com matrizes das propriedades participantes, originando progênies que serão avaliadas em diversas fases do ciclo produtivo.

Durante o processo, são registrados dados como peso ao nascer, sexo, linhagem materna, além de informações específicas sobre cobertura de lã e resistência a parasitas. As análises incluem a coleta de DNA e exames laboratoriais que auxiliam na identificação das melhores combinações genéticas para a continuidade do programa.
Esse modelo permite que cada produtor, a partir de suas próprias necessidades e do perfil de sua propriedade, desenvolva sua própria versão da “ovelha do futuro”. Criadores com rebanhos já deslanados, por exemplo, podem priorizar apenas a prolificidade ou o rendimento de carcaça, criando linhagens adaptadas a cada sistema.
Mais cordeiros sem mais ovelhas
Uma das apostas mais promissoras do projeto é o aumento da prolificidade, que permite gerar mais cordeiros por ovelha, sem a necessidade de ampliar o número de matrizes. A base dessa inovação vem do gene Booroola, incorporado inicialmente a partir da raça Merino Australiano.
Ao longo dos anos, novas mutações foram identificadas em rebanhos brasileiros, como os genes batizados de “Embrapa” e “Vacaria”, presentes em raças como Santa Inês e Ile de France. A difusão desses genes entre os produtores da região Sul vem consolidando a capacidade do rebanho nacional de gerar nascimentos duplos ou até triplos, ampliando a rentabilidade com o mesmo número de animais.
Mais carne no mesmo animal
Outro pilar da transformação está na qualidade da carcaça. Com a identificação de um gene batizado de “Bombacha”, os pesquisadores aumentaram a conformação da parte traseira dos ovinos, incrementando os cortes nobres como o pernil. Os primeiros resultados já indicam uma elevação média de 9% no peso da carcaça e de 5% no rendimento final.
Esses números significam mais carne por animal e, portanto, maior retorno financeiro por cordeiro vendido. A introdução do gene Bombacha em outras raças do rebanho experimental abre caminho para uma padronização de carcaças com alto valor de mercado, favorecendo também a competitividade da carne ovina brasileira no mercado externo.
Fim da tosquia como obrigação
A queda acentuada do valor da lã ao longo dos últimos anos, agravada pela pandemia, transformou a tosquia em um custo operacional sem retorno. Em algumas regiões, o custo da retirada da lã já ultrapassa o valor de venda do produto. Nesse contexto, a perda natural da lã surge como um avanço significativo.
Por meio do cruzamento de raças deslanadas com raças lanadas da região Sul, os pesquisadores identificaram animais com tendência a perder a lã espontaneamente. Essa característica, agora selecionada e difundida, tem potencial para reduzir em até 50% o número de animais tosquiados nas propriedades, eliminando custos, otimizando a mão de obra e aumentando o conforto dos animais.
Menos vermífugos, mais sanidade
A resistência natural à verminose é outro ponto estratégico do programa. A seleção de ovinos mais resistentes aos parasitas internos reduz diretamente as perdas por morte, retardo de crescimento e gastos com medicamentos. Por meio de exames de OPG (Ovos por Grama de fezes), os pesquisadores identificam os indivíduos mais resistentes, promovendo sua reprodução e descartando os mais suscetíveis.
A expectativa é que, com o avanço da seleção, o número de aplicações de vermífugos caia pela metade – de seis para três por ano. Isso representa não apenas uma economia considerável para o criador, mas também melhora o bem-estar dos animais, reduz a contaminação das pastagens e desacelera o desenvolvimento da resistência parasitária aos medicamentos.
O futuro da ovinocultura é agora
A criação da “ovelha do futuro” não se resume a um único animal, mas sim a uma nova estratégia genética que coloca o Brasil em posição de vanguarda na ovinocultura de corte. Ao combinar ciência, tecnologia e produção sustentável, o projeto aponta caminhos concretos para enfrentar os desafios econômicos, sanitários e ambientais que limitam o crescimento do setor.
E mais do que oferecer uma solução pronta, a Embrapa propõe um modelo flexível, que pode ser ajustado à realidade de cada criador. Uma abordagem moderna, inteligente e, sobretudo, necessária para garantir o futuro da ovinocultura brasileira.