Poucos imaginam que aquele peixe de sabor suave e preparo fácil na cozinha pode também estar presente em laboratórios de medicina regenerativa, ateliês de calçados e até em potes de sorvete. A tilápia, conhecida como um dos peixes mais consumidos e cultivados no Brasil, tem mostrado um potencial muito além do filé. E é justamente das partes menos valorizadas, como a pele, que surgem soluções tecnológicas e sustentáveis que prometem revolucionar o uso do pescado no país.
No Paraná, onde a aquicultura já é referência nacional, a valorização de todas as partes da tilápia tem sido um fator estratégico para impulsionar o setor. A industrialização completa do peixe fortalece a cadeia produtiva, eleva a rentabilidade dos produtores e ainda reduz desperdícios. Aliás, cada inovação baseada no reaproveitamento do peixe representa um passo importante rumo à economia circular no agronegócio brasileiro.
Pele de tilápia como curativo: uma inovação brasileira
Um dos marcos mais notáveis nessa trajetória vem do Ceará, onde pesquisadores conseguiram transformar a pele da tilápia em um biomaterial eficaz para o tratamento de queimaduras. Ao ser aplicada sobre as feridas, a pele do peixe atua como um curativo biológico: protege, hidrata e acelera a recuperação. A vantagem é dupla — reduz o tempo de cicatrização e também o sofrimento dos pacientes, já que não exige trocas diárias, evitando a dor comum nos tratamentos tradicionais.
Esse curativo natural ganhou notoriedade por sua funcionalidade e por preencher uma lacuna importante: o Brasil conta com poucos bancos de pele humana, cuja produção é limitada e cara. Já a pele da tilápia apresenta alto teor de colágeno tipo 1 e resistência à tração, características que a tornam ideal para uso medicinal. O projeto se expandiu rapidamente e já é aplicado em diversos países e áreas da saúde, como ginecologia, odontologia e até em veterinária.
Um sorvete com proteína de peixe? Sim, é real
As possibilidades da tilápia também surpreendem na área da nutrição funcional. No Paraná, uma pesquisadora encontrou um caminho inusitado ao criar um sorvete à base de proteína de tilápia. A motivação foi pessoal: a filha, então grávida e em tratamento contra o câncer, sofria com feridas na boca causadas pela quimioterapia. Como o sorvete aliviava o desconforto, surgiu a ideia de tornar essa sobremesa um alimento mais nutritivo. O resultado foi uma fórmula que transforma a carne da tilápia em um composto líquido, mantendo a textura e o sabor do sorvete, mas com alto valor proteico.

Além de auxiliar em dietas específicas, o sorvete de tilápia também conquistou reconhecimento técnico: o produto ficou em terceiro lugar em uma das principais competições de inovação da cadeia do pescado na América Latina, demonstrando o quanto a criatividade pode gerar soluções com impacto social e econômico.
Couro de tilápia vira moda e artesanato sustentável
Do litoral paranaense ao mercado internacional, a pele da tilápia também tem ganhado espaço como matéria-prima nobre na produção de couro ecológico. Após passar por um tratamento específico, essa parte do peixe adquire resistência e flexibilidade, podendo ser utilizada na confecção de bolsas, calçados, cintos e até tênis. Um exemplo simbólico foi o modelo usado recentemente por um cantor brasileiro, inteiramente produzido com couro de tilápia nas cores da bandeira nacional.
Mas não para por aí: cooperativas e agroindústrias já exportam dezenas de toneladas de pele por mês para países como Taiwan, onde o insumo é aproveitado pela indústria cosmética. A valorização desse resíduo, antes descartado, demonstra o quanto o pescado pode gerar oportunidades para negócios criativos e sustentáveis, inclusive no artesanato regional.
Uma cadeia que aproveita tudo — até a pele
Assim como o velho ditado sobre o boi, em que se aproveita “até o berro”, a tilápia também mostra que nenhum pedaço precisa ir para o lixo. As tecnologias que permitem o uso completo do pescado estão transformando a forma como enxergamos a aquicultura. E no Brasil, especialmente no Paraná, essas soluções já são realidade — movendo pesquisas, fortalecendo comunidades pesqueiras e impulsionando um novo modelo de desenvolvimento, onde inovação e sustentabilidade andam lado a lado.