Um impasse entre pastas federais reacendeu o debate sobre os rumos da produção aquícola no Brasil. O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) solicitou formalmente esclarecimentos ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) sobre as consequências da inclusão da tilápia e de outras espécies de valor comercial na nova versão da Lista Nacional de Espécies Exóticas Invasoras. A preocupação é direta: como manter o licenciamento ambiental e a legalidade das atividades que sustentam quase toda a aquicultura nacional se essas espécies forem oficialmente reconhecidas como invasoras?
A discussão ganhou força após a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio), colegiado que reúne representantes de diversos ministérios e do setor produtivo, apresentar uma minuta atualizada da lista, em junho. Além da tilápia (Oreochromis niloticus), constam nomes como tambaqui, pacu, pirarucu, camarão-marinho (Litopenaeus vannamei), ostra-do-Pacífico e a macroalga Kappaphycus alvarezii — espécies amplamente cultivadas e de alto valor para a economia do país.
Apesar de a minuta ter sido divulgada há meses, a sinalização de impacto prático só mobilizou o setor agora, com o receio de que a nova classificação possa inviabilizar o licenciamento ambiental das criações. Isso porque a legislação federal atual não contempla diretrizes específicas para autorizar o cultivo de espécies consideradas exóticas invasoras, o que abriria um vácuo regulatório perigoso para a cadeia produtiva.
Em nota oficial, o MPA destacou que as espécies listadas somam cerca de 90% da produção nacional de aquicultura, gerando um valor estimado em R$ 9,6 bilhões. Caso a classificação como invasoras seja mantida sem um marco legal que permita seu uso, empreendimentos que hoje são legais podem enfrentar paralisações, entraves burocráticos e insegurança jurídica.
A controvérsia também expõe as tensões internas da própria Conabio. Embora o colegiado tenha representantes do MPA, do Ministério da Agricultura (Mapa) e da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), a reação tardia indica que o impacto econômico da medida pode ter sido subestimado durante a elaboração da minuta.
Em resposta à situação, o Ministério da Pesca convocou uma reunião extraordinária do Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca (Conape), que reúne pesquisadores, produtores e representantes da sociedade civil, com o objetivo de debater a medida e alinhar estratégias. A pasta também informou que está liderando, em articulação com universidades, institutos de pesquisa e o setor produtivo, uma revisão técnica criteriosa das fichas de avaliação das espécies afetadas, para subsidiar novas decisões no âmbito da Conabio.
Além disso, o MPA defende que o uso produtivo de determinadas espécies não pode ser tratado de forma uniforme em todo o território nacional, uma vez que a distribuição geográfica, os riscos ecológicos e os contextos regionais variam significativamente entre as bacias hidrográficas brasileiras.
O caso da tilápia é emblemático: por ser uma espécie exótica, já há anos se debate sua disseminação em ambientes naturais, mas o fato é que ela representa a base da piscicultura brasileira — e, até aqui, é licenciada em vários estados sob normas locais. A nova lista, caso adotada integralmente, pode gerar entraves imediatos a essa prática em regiões onde ela já é consolidada, sem que haja uma política de transição ou regulamentação alternativa.
Ao final, a expectativa é que o governo encontre uma forma de equilibrar conservação e desenvolvimento econômico. Enquanto isso, produtores de todo o país aguardam com apreensão os próximos desdobramentos da lista e do posicionamento do MMA diante das preocupações apresentadas pela pasta da Pesca.



