Entre tantas formas de se olhar para uma bebida, talvez a menos justa seja a que ignora a história, a memória afetiva e o território de onde ela vem. Foi o que aconteceu recentemente quando a cajuína, uma das mais tradicionais expressões da cultura nordestina, apareceu entre as últimas colocadas em um ranking internacional do site norte-americano TasteAtlas. A lista classificou as “piores bebidas brasileiras” com base em avaliações de estrangeiros, excluindo intencionalmente as opiniões dos próprios brasileiros — especialmente os que nasceram e cresceram em terras onde a cajuína é muito mais que uma bebida.
Ainda que tenha recebido a nota 3,8 em 5, o que por si só não é um desastre, o tom da classificação causou desconforto, principalmente ao colocá-la abaixo de bebidas como a catuaba e certas variações de cachaça. O problema não foi apenas a posição na lista, mas a forma como um símbolo cultural foi reduzido a um gosto desconhecido — e, talvez por isso, incompreendido.
Uma bebida que carrega o sabor da terra
Feita artesanalmente com o suco clarificado do caju, sem adição de álcool ou gás, a cajuína tem uma coloração dourada, leve transparência e um sabor delicado, com leve toque adstringente característico da fruta. Sua preparação tradicional envolve técnicas como a decantação e o aquecimento lento, que ajudam a manter sua pureza e conferem a ela um brilho único — quase como âmbar engarrafado.
Na região Nordeste, especialmente no Piauí e no Ceará, a cajuína é patrimônio cultural, reconhecida por seu valor histórico e simbólico. Ela não só está presente no cotidiano de muitas famílias como também já foi eternizada na música “Cajuína”, escrita por Torquato Neto e Belchior, e imortalizada na voz de Caetano Veloso, que cantou: “Existirmos: a que será que se destina?”
Paladar estrangeiro, desconhecimento cultural
A repercussão da lista gerou críticas principalmente por desconsiderar o contexto regional. Enquanto para muitos estrangeiros o sabor pode soar “inusitado” ou “pouco familiar”, para quem vive ou cresceu no Nordeste, a cajuína tem o gosto da infância, das festas de interior, das mercearias artesanais, do afeto familiar — e isso não se pontua com estrelas.
Aliás, a escolha de excluir votos de brasileiros na composição da lista reforça a crítica: como julgar o que não se conhece? O ranking acabou servindo como reflexo de uma lógica que avalia sabores fora do seu território afetivo e ignora o que eles representam dentro de sua própria cultura.