A cana-de-açúcar, um dos pilares da economia agrícola brasileira, convive com um adversário discreto, mas devastador: os nematoides. Esses organismos microscópicos, invisíveis a olho nu, estão presentes em aproximadamente 60% dos canaviais e podem provocar perdas de produtividade que variam de 3% até impressionantes 50%. Ao longo de uma década, a estimativa é que sua ação silenciosa possa comprometer o equivalente a uma safra e meia — um impacto que escancara a urgência de atenção a essa ameaça.
Embora sejam pequenos, os danos causados pelos nematoides se mostram gigantescos no solo. As principais espécies que atacam a cultura da cana são o nematoide-das-galhas e o nematoide-das-lesões. No primeiro caso, os vermes formam protuberâncias nas raízes, obstruindo a absorção de água e nutrientes. Já o segundo tipo provoca ferimentos nos tecidos radiculares, criando portas de entrada para fungos e bactérias, comprometendo ainda mais o vigor das plantas.
Essas alterações interferem diretamente no porte e na produtividade da cultura. As raízes lesionadas ou obstruídas limitam o desenvolvimento vegetativo, reduzem a densidade do canavial e causam falhas visíveis no estande. Além disso, os nematoides liberam toxinas que modificam o funcionamento interno da planta, prejudicando processos fisiológicos e tornando a lavoura mais suscetível a estresses ambientais.
Para lidar com o problema, o primeiro passo é o diagnóstico adequado. A identificação das espécies presentes e a estimativa populacional devem ser feitas por meio de análises laboratoriais, com amostras de solo e raízes jovens. Este processo deve ser realizado periodicamente, ao longo do ciclo da cultura, já que a população dos nematoides pode se multiplicar rapidamente, especialmente em ambientes favoráveis.
O controle eficiente da praga depende da combinação de estratégias. Os defensivos biológicos têm ganhado espaço por oferecerem ação prolongada e menor impacto ambiental, mas sua eficácia está diretamente relacionada à construção de um solo microbiologicamente equilibrado. O uso de nematicidas químicos, por sua vez, atua como medida de choque, eliminando rapidamente os organismos presentes, mas com efeito residual limitado — geralmente entre 20 e 35 dias.
O manejo integrado deve considerar, também, aspectos físicos e genéticos. A destruição das soqueiras antes da renovação do canavial é fundamental para evitar a perpetuação dos nematoides. A rotação com culturas de cobertura, como a crotalária, ajuda a reduzir a densidade populacional dos vermes, desde que sejam espécies que não sirvam de hospedeiras. Além disso, embora não existam cultivares totalmente resistentes, algumas variedades apresentam maior tolerância, e devem ser priorizadas em áreas infestadas.
Outro fator decisivo é a qualidade do solo. Ambientes ricos em matéria orgânica, bem nutridos e manejados corretamente promovem o desenvolvimento radicular robusto e plantas mais resilientes ao ataque. Um solo equilibrado não apenas favorece o crescimento da cana, mas também fortalece suas defesas naturais, tornando o sistema produtivo menos vulnerável a perdas severas.
É importante destacar que, mesmo com a adoção das melhores práticas, os resultados não são imediatos. Muitas vezes, a população de nematoides se mantém estável na primeira safra após a intervenção. Ainda assim, o parâmetro mais relevante para avaliação do manejo é o ganho de produtividade. Se a lavoura responde positivamente com maior rendimento, mesmo que os nematoides persistam, o caminho está correto e deve ser mantido.
Combater esse inimigo silencioso exige vigilância constante, conhecimento técnico e ações planejadas a longo prazo. A preservação do potencial produtivo da cana-de-açúcar depende de práticas sustentáveis, que integrem ciência do solo, fitossanidade e estratégias agronômicas consistentes. O desafio é grande, mas a resposta pode estar sob nossos pés — literalmente.



