Resumo
• O Paraná intensifica o controle da brucelose e da tuberculose bovina, doenças silenciosas que podem causar perdas de até 20% na produção de leite e comprometer a renda do produtor.
• O Estado atua por meio do PECEBT, com foco em conscientização, biossegurança nas fazendas, vacinação de bezerras contra brucelose e diagnóstico sistemático da tuberculose nos rebanhos.
• A vacinação de bezerras entre 3 e 8 meses atinge cerca de 75,3% no Paraná, acima da média nacional, mas a meta é se aproximar de 90% para tornar o controle mais efetivo e consistente.
• O combate à tuberculose ganhou reforço com a adoção do teste ELISA em propriedades em saneamento, permitindo identificar animais positivos que não reagiram ao exame tradicional.
• Sanidade de rebanho, propriedades certificadas e maior cobertura vacinal são condições essenciais para que o leite paranaense ganhe novos mercados e avance no caminho da exportação.
O Paraná decidiu apertar o cerco contra duas das doenças mais desafiadoras para a pecuária leiteira: a brucelose e a tuberculose bovina. Embora provoquem poucos sinais aparentes em boa parte dos animais, essas enfermidades comprometem diretamente a produtividade do rebanho, derrubam a produção de leite e, em muitos casos, obrigam ao descarte de vacas em plena idade produtiva. Segundo Rafael Gonçalves Dias, chefe do Departamento de Saúde Animal da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), as perdas em propriedades afetadas podem chegar a 15% ou até 20% do volume de leite produzido, o que impacta a renda das famílias e a competitividade do setor como um todo.
Além do prejuízo econômico, há outro fator que coloca o tema no centro do debate: a sanidade do rebanho passou a ser uma condição indispensável para o Paraná consolidar-se como exportador de leite e derivados. Assim, ao intensificar o combate à brucelose e à tuberculose, o Estado não apenas protege a saúde animal e humana, como também abre caminho para novos mercados e oportunidades para produtores.
Perdas silenciosas no rebanho paranaense
Embora a maioria dos animais infectados não apresente sinais evidentes logo de início, os números mostram que as doenças estão presentes no campo e exigem atenção constante. Dados da Adapar indicam que, até outubro deste ano, foram registrados 98 focos e 333 casos confirmados de brucelose, além de 154 focos e 817 casos de tuberculose bovina no Paraná. Esses casos se traduzem em abortos, queda na produção, descarte precoce de vacas e aumento nos custos com exames laboratoriais, serviços veterinários e manejo de saneamento.
Rafael Gonçalves Dias destaca que, por serem enfermidades endêmicas e silenciosas, muitas vezes o produtor só percebe a dimensão do problema quando os índices reprodutivos pioram e o tanque de leite começa a perder volume. A partir daí, porém, a recuperação do rebanho é lenta e exige planejamento, investimento e disciplina, tanto nas medidas de prevenção como na condução dos animais positivos para abate sanitário.
PECEBT: um programa de longo prazo para controlar a doença
Para enfrentar esse cenário, o Paraná conta com o Programa Estadual de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose (PECEBT), criado em 2002. O objetivo é reduzir, de forma gradual e consistente, a prevalência e a incidência dessas doenças em bovinos e bubalinos, alinhando o Estado às exigências sanitárias nacionais e internacionais. Além disso, o programa busca fortalecer a cultura de biossegurança nas propriedades, estimulando o produtor a enxergar a sanidade como investimento, não apenas como custo.
Entre as ações centrais do PECEBT está o trabalho de conscientização junto aos produtores rurais, laticínios e cooperativas, que são aliados estratégicos na difusão de informação e no estímulo à regularização sanitária das propriedades. A Adapar vem intensificando palestras, campanhas educativas e orientações técnicas, reforçando que a prevenção é sempre mais barata do que o saneamento de um rebanho já contaminado.
Vacinação de bezerras: pilar do controle da brucelose
No caso da brucelose, a principal ferramenta de prevenção é a vacinação de bezerras entre 3 e 8 meses de idade. Esse período é crítico, pois garante que os animais entrem na fase reprodutiva com maior proteção contra a doença. Atualmente, o Paraná registra índice de vacinação em torno de 75,3% do rebanho dentro da faixa etária recomendada. O percentual é superior à média nacional, estimada em 71,8%, porém ainda distante da meta estabelecida pela Adapar, que mira uma cobertura próxima de 90%.
Rafael Gonçalves Dias ressalta que, para que o controle seja realmente eficaz, é preciso elevar a adesão dos produtores. Assim, a comunicação direta com as propriedades, o suporte técnico e o acompanhamento junto a laticínios e cooperativas tornam-se estratégias fundamentais para que o Estado avance nesse indicador. Além disso, a rastreabilidade das vacinações e o cumprimento das exigências legais reforçam a credibilidade do sistema de defesa sanitária.
Tuberculose bovina: diagnóstico reforçado com teste ELISA
Enquanto a brucelose é combatida principalmente por meio da vacinação, a tuberculose bovina exige uma abordagem fortemente baseada no diagnóstico. O controle da doença passa pela identificação de animais positivos e pelo manejo adequado desses casos, com o afastamento e o abate sanitário dos indivíduos infectados. Tradicionalmente, o teste de Tuberculinização Comparada (TCC) é a ferramenta oficial para detecção da enfermidade, porém o Paraná passou a contar com um recurso complementar importante.
Desde março deste ano, os produtores do Estado têm à disposição o teste ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay), regulamentado como exame diagnóstico complementar para propriedades em fase de saneamento da tuberculose. Na prática, o ELISA é utilizado em situações em que há suspeita de animais reagentes que não foram detectados pelo teste tradicional, ampliando a sensibilidade da vigilância. Trata-se de um exame laboratorial que busca anticorpos específicos na amostra e, assim, contribui para tornar o processo de saneamento mais preciso e rápido.
Para que o teste seja aplicado, a propriedade precisa estar formalmente enquadrada como área em saneamento de tuberculose, seguindo as normas da Adapar. Essa etapa é decisiva para garantir que o rebanho caminhe rumo à certificação de livre da doença, condição cada vez mais valorizada pelos mercados compradores.
Isolamento, abate e indenização: o que acontece quando há confirmação da doença
Quando a brucelose ou a tuberculose é confirmada em um animal, as medidas de contenção precisam ser imediatas. A orientação da Adapar é clara: os animais positivos devem ser isolados do restante do rebanho para reduzir o risco de novas infecções e, em seguida, encaminhados para abate sanitário. De acordo com as normas do Estado, a eliminação do animal deve ocorrer em até 30 dias após a confirmação, respeitando as regras de trânsito e o destino adequado da carcaça.
No caso específico da tuberculose, o produtor pode ter direito à indenização pelo animal abatido, desde que cumpra os procedimentos estabelecidos e protocole o pedido junto à agência de defesa. Esse apoio financeiro ajuda a mitigar a perda imediata e incentiva os produtores a colaborarem com o programa, uma vez que o saneamento do rebanho traz benefícios duradouros, como melhoria na produtividade, valorização dos animais e acesso a mercados mais exigentes.
Outro ponto reforçado pela Adapar é a necessidade de testar todo o rebanho quando há a confirmação de um caso. Enquanto a propriedade estiver em processo de saneamento, o trânsito de animais fica proibido, justamente para evitar a disseminação das doenças para outras regiões.
Sanidade como passaporte para exportar leite
A relação entre controle de doenças e acesso a mercados externos foi um dos principais temas da reunião da Comissão Técnica de Bovinocultura de Leite do Sistema Faep, realizada recentemente. O presidente interino do Sistema Faep, Ágide Eduardo Meneguette, destacou que ter rebanhos imunizados e propriedades certificadas é um passo fundamental para viabilizar a exportação de leite paranaense. Em um cenário de crise no setor, a abertura de novos mercados pode ser uma alternativa importante para agregar valor e garantir renda aos produtores.
Durante o encontro, a fiscal de Defesa Agropecuária da Adapar, Marta Freitas, lembrou que somente com índices de vacinação contra a brucelose acima de 80%, mantidos por dez anos consecutivos, é que o processo de erradicação começa a ser avaliado de forma consistente. Assim, a construção de um histórico sanitário sólido se torna um requisito básico para que o Paraná conquiste a confiança internacional. Ela reforçou que a “barreira do leite” nos processos de exportação passa, inevitavelmente, pela sanidade dos rebanhos, e que outros países tendem a ser cada vez mais rigorosos nesse quesito.
Atualmente, o Estado possui 119 propriedades certificadas como livres ou monitoradas para brucelose e tuberculose, de um universo de aproximadamente 30 mil unidades produtoras de leite. O número ainda é modesto, mas, em conjunto, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul concentram 98% das propriedades certificadas do país, o que evidencia o protagonismo da região Sul nas políticas de sanidade animal.
O presidente da Comissão Técnica de Bovinocultura de Leite do Sistema Faep, Eduardo Lucacin, também ressaltou que exportar exige, além do aumento da cobertura vacinal e do número de propriedades certificadas, investimentos em biossegurança, bem-estar animal, nutrição e qualidade do leite. A remuneração por critérios de sanidade e qualidade, segundo ele, é um estímulo necessário para que mais produtores se comprometam com um padrão elevado de manejo e controle sanitário.
Boas práticas e manejo: o que muda na rotina da fazenda
Na prática, o enfrentamento de brucelose e tuberculose começa na adoção de boas práticas agropecuárias. A Adapar orienta que animais positivos sejam mantidos afastados da área de ordenha e do restante do rebanho, reduzindo a chance de contágio. Além disso, o cuidado com a higiene dos equipamentos, a qualidade da água fornecida aos animais, a desinfecção de instalações e o controle de trânsito entre propriedades integram o pacote de ações que ajudam a manter o rebanho saudável.
A fiscalização reforça que, enquanto o rebanho estiver em fase de saneamento, o trânsito de bovinos e bubalinos não é permitido, justamente para evitar que animais possivelmente infectados conteminem outras fazendas. Essa restrição, embora traga desafios logísticos, é uma peça-chave na estratégia de conter a disseminação das bactérias que causam as doenças.
O que são brucelose e tuberculose bovina
Mesmo sendo doenças conhecidas há décadas, a brucelose e a tuberculose bovina ainda exigem esclarecimento constante, tanto pelo impacto na produção quanto pelo risco à saúde humana. A brucelose é causada pela bactéria Brucella abortus e pode afetar bovinos, suínos, equídeos, caprinos e ovinos, que muitas vezes permanecem como portadores ao longo de toda a vida. Entre as principais consequências estão abortos, retenção de placenta, infertilidade e queda de produção de leite, além de representar uma zoonose, ou seja, uma doença que pode ser transmitida ao ser humano, principalmente pelo consumo de leite cru e derivados não pasteurizados.
Já a tuberculose bovina é provocada pela bactéria Mycobacterium bovis e também possui caráter zoonótico. Embora não seja tão comum em humanos quanto a tuberculose causada por Mycobacterium tuberculosis, a infecção por M. bovis pode ocorrer, especialmente em situações de exposição prolongada ou consumo de produtos de origem animal sem controle sanitário adequado. Por isso, além das ações de vacinação, testes diagnósticos e saneamento de rebanhos, a adoção de medidas de higiene, a pasteurização do leite e o respeito às normas de inspeção são fundamentais.
Ao intensificar o combate à brucelose e à tuberculose, o Paraná coloca a sanidade animal como eixo central da pecuária leiteira, protegendo o produtor, o consumidor e abrindo espaço para que o leite paranaense conquiste novos mercados com segurança e credibilidade.



