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Agro

Inseticidas naturais ganham terreno no campo e desafiam o domínio dos agrotóxicos

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Inseticidas naturais ganham terreno no campo e desafiam o domínio dos agrotóxicos
Resumo
  • O avanço dos bioinsumos transforma a agricultura brasileira ao oferecer alternativas sustentáveis para o controle de pragas e fortalecimento das plantas, com apoio de empresas e centros de pesquisa.
  • A nova legislação de bioinsumos, somada a linhas de crédito e agilização de registro, impulsiona o setor e amplia o acesso de agricultores a tecnologias biológicas.
  • Pesquisas revelam microrganismos capazes de melhorar tolerância à seca, ativar defesas naturais das plantas e reduzir a dependência de insumos químicos tradicionais.
  • O controle biológico avança com fungos, bactérias, feromônios e insetos benéficos, consolidando estratégias mais eficientes e integradas ao manejo agrícola.
  • O desempenho dos bioinsumos depende da interação com o microbioma do solo, tornando o manejo integrado e a saúde do solo fatores decisivos para bons resultados.

A busca por uma agricultura capaz de produzir em alta escala sem ampliar os danos ambientais vem empurrando o setor para uma mudança de paradigma. Ao mesmo tempo em que consumidores pressionam por alimentos com menos resíduos químicos, produtores rurais passam a olhar com atenção para os chamados bioinsumos, insumos de origem biológica que atuam tanto no controle de pragas quanto na nutrição e no equilíbrio do solo. Assim, inseticidas naturais e biofertilizantes à base de microrganismos começam a disputar espaço com os agrotóxicos sintéticos, deixando de ser um nicho experimental para ocupar posição estratégica nas principais cadeias produtivas do país.

Nesse cenário, não se trata apenas de substituir uma molécula química por outra, de origem biológica, mas de redesenhar a forma como se pensa o manejo de pragas e doenças. Empresas de diferentes portes, muitas em parceria estreita com centros de pesquisa, vêm lançando formulações baseadas em bactérias e fungos que ajudam a conter insetos, nematoides e patógenos, ao mesmo tempo em que favorecem o crescimento dos cultivos e melhoram o aproveitamento de nutrientes. Não por acaso, multinacionais que tradicionalmente construíram suas fortunas com agrotóxicos e fertilizantes sintéticos passaram a investir pesado em plantas industriais de bioinsumos no Brasil, sinalizando que a disputa por esse mercado está apenas começando.

Dos químicos aos biológicos: mudança com ganhos ambientais e econômicos

A lógica que orienta tanto os defensivos químicos quanto os biológicos é, em essência, a mesma: proteger a lavoura, reduzir as perdas e sustentar a produtividade. Entretanto, os caminhos para alcançar esse objetivo são bem diferentes. Os agrotóxicos de origem sintética, formulados a partir de moléculas específicas, agem com rapidez, porém deixam um legado de resíduos em água, solo e alimentos. Já os bioinsumos atuam com base em microrganismos vivos ou em metabólitos produzidos por eles, interagindo com o ambiente e com as plantas de forma mais complexa.

Inseticidas naturais ganham terreno no campo e desafiam o domínio dos agrotóxicos
Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

Apesar da imagem de que produtos biológicos seriam necessariamente mais caros, estudos comparativos mostram que a diferença de custo tende a ser pequena quando se observa o sistema de produção como um todo. Em cultivos como a soja, por exemplo, o uso de bioinsumos para tratar sementes, controlar fungos ou melhorar a eficiência no aproveitamento de nutrientes pode representar um acréscimo inferior a 1% em relação a estratégias baseadas apenas em insumos químicos, ao mesmo tempo em que reduz o risco de contaminação de recursos hídricos e da própria colheita. Além disso, a adoção de ferramentas biológicas abre espaço para um manejo mais integrado, que diminui a dependência exclusiva de moléculas sintéticas e ajuda a retardar o avanço da resistência de pragas.

Por outro lado, há problemas fitossanitários que ainda desafiam tanto os químicos quanto os biológicos, como doenças complexas em culturas estratégicas, caso da vassoura-de-bruxa na mandioca em áreas da região Norte. Esses gargalos evidenciam que, embora a fronteira dos bioinsumos avance rapidamente, o campo ainda está longe de uma solução única e definitiva, exigindo combinações inteligentes de tecnologias e práticas de manejo.

Nova legislação e incentivo público: a Lei de Bioinsumos em ação

Se por muito tempo os bioinsumos circularam em uma espécie de zona cinzenta regulatória, enquadrados nas mesmas normas de agrotóxicos e fertilizantes químicos, o Brasil decidiu, recentemente, abrir uma trilha específica para essa categoria. A Lei nº 15.070, conhecida como Lei de Bioinsumos, publicada em 2024, estabeleceu regras próprias para produção, registro e comercialização de produtos biológicos, além de dar um empurrão importante à prática on-farm, em que o próprio produtor fabrica bioinsumos para uso na propriedade.

Essa mudança jurídica foi rapidamente acompanhada por medidas concretas. No início de 2025, o Ministério da Agricultura e Pecuária aprovou dezenas de novos registros de bioinsumos, refletindo um processo de avaliação mais ágil e adaptado às particularidades de microrganismos e seus derivados. Paralelamente, linhas de financiamento específicas surgiram para viabilizar pequenos e médios projetos, incluindo recursos não reembolsáveis destinados a cooperativas da agricultura familiar que desejam produzir e utilizar bioinsumos com foco na autonomia tecnológica e na redução de custos.

Esse conjunto de ações públicas se soma à movimentação de um mercado já bastante aquecido. Centenas de empresas, desde startups de biotecnologia até multinacionais consolidadas, atuam hoje nesse segmento, seja com produtos próprios, seja licenciando tecnologias desenvolvidas por instituições de pesquisa. O resultado é uma malha de inovação que conecta laboratórios, unidades produtivas e, por fim, as lavouras.

Microrganismos da Caatinga e o avanço dos biofertilizantes

Dentro dessa revolução silenciosa, uma linha de pesquisa que ganhou destaque recente é a dos biofertilizantes capazes de mitigar o estresse hídrico. A partir de explorações em ambientes onde a vida vegetal se adaptou à escassez extrema de água, pesquisadores passaram a buscar microrganismos com habilidades especiais. Foi assim que, ao investigar raízes de mandacaru na Caatinga, o engenheiro-agrônomo Itamar Soares de Melo, da Embrapa Meio Ambiente, identificou uma bactéria do gênero Bacillus com um comportamento particularmente interessante.

A partir de análises mais detalhadas, observou-se que essa bactéria produzia um líquido viscoso, rico em açúcares, que se acumulava junto às raízes e ajudava a reduzir os impactos da falta de água, criando uma espécie de microambiente protetor. A descoberta, inicialmente pensada para combater a desertificação, acabou abrindo caminho para uma categoria de biofertilizantes voltados à tolerância à seca. Licenciada para a iniciativa privada, a tecnologia originou um produto que, poucos anos após seu lançamento, já estava presente em extensas áreas de milho, demonstrando como soluções biológicas podem ser escaladas em grandes culturas.

A experiência não ficou restrita a um único produto. Novas formulações, baseadas em outras linhagens de Bacillus isoladas de ambientes semiáridos, vêm sendo testadas e lançadas para culturas como soja e milho, reforçando a ideia de que a biodiversidade brasileira, sobretudo em biomas historicamente pouco valorizados, guarda um patrimônio genético com potencial enorme para a agricultura de baixo carbono.

Fungos aliados: controle biológico que vai além das pragas

Se bactérias se destacam em biofertilizantes e promotores de crescimento, os fungos ocupam papel central no controle biológico de pragas e doenças. Para o engenheiro-agrônomo Ítalo Delalibera Jr., da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP (Esalq-USP), a contribuição dos fungos entomopatogênicos – aqueles que atacam insetos – ultrapassa bastante a imagem de um “inseticida vivo”. Ele explica que espécies como Beauveria e Metarhizium, além de infectarem pragas diretamente, podem colonizar a planta e ativar mecanismos de defesa sistêmicos, estimulando a produção de hormônios ligados ao crescimento e à absorção de nutrientes, além de aumentar a resiliência à seca.

Essa visão mais ampla do papel dos microrganismos levou à criação de centros dedicados exclusivamente a pesquisas em controle biológico e bioinsumos, caso de estruturas como o Sparcbio, sediado na Esalq, que reúne pesquisadores e empresas em torno do desenvolvimento de produtos comerciais. A partir de coleções com milhares de isolados de fungos e bactérias, equipes multidisciplinares selecionam linhagens, testam formulações, avaliam desempenho em campo e ajustam processos industriais para garantir qualidade e eficácia em larga escala.

Desse trabalho surgem bioinseticidas voltados ao controle de pragas de grande impacto econômico, como cigarrinhas em cereais e lagartas polífagas que atacam diferentes culturas. Além disso, bioestimulantes à base de bactérias selecionadas têm sido desenvolvidos para melhorar vigor de plantas e reduzir a pressão de nematoides, atuando como uma camada adicional de proteção e equilíbrio no sistema produtivo.

Soja, fixação biológica e a consolidação dos bioinsumos

Embora a explosão recente de bioinseticidas e biofertilizantes pareça algo novo, a história dos insumos biológicos na agricultura brasileira remonta ao início do século XX, quando pesquisadores começaram a investigar microrganismos capazes de controlar pragas em culturas como o café. Entretanto, foi apenas a partir da segunda metade do século passado que a percepção sobre o potencial econômico dessas ferramentas começou a mudar de forma consistente.

Um marco decisivo foi a consolidação da fixação biológica de nitrogênio na cultura da soja, baseada em bactérias como Bradyrhizobium e Azospirillum brasilense. Ao demonstrar que esses microrganismos poderiam suprir boa parte da necessidade de nitrogênio das plantas, reduzindo drasticamente a dependência de fertilizantes químicos importados, pesquisadores da Embrapa mostraram que soluções biológicas não eram apenas alternativas ecológicas, mas instrumentos poderosos de competitividade. Graças à adoção em larga escala desses inoculantes, milhões de hectares passaram a se beneficiar de uma forma mais sustentável de nutrir o solo, com impacto econômico bilionário ao longo das décadas.

Hoje, segundo especialistas, a soja continua sendo a cultura que mais utiliza bioinsumos, principalmente bioinoculantes e bioinseticidas. Estimativas apontam que boa parte das áreas produtivas do país já emprega algum tipo de tecnologia biológica, seja no tratamento de sementes, seja no manejo de pragas ao longo do ciclo. Assim, o que começou como uma aposta visionária se transformou em pilar da agricultura moderna, com reconhecimento internacional e prêmios concedidos a pesquisadores brasileiros que ajudaram a consolidar essa trajetória.

Controle biológico em escala: vespinhas, feromônios e novas estratégias

Enquanto bactérias fixadoras de nitrogênio e fungos benéficos dominam o noticiário dos bioinsumos, uma outra frente igualmente importante se fortaleceu nas últimas décadas: o uso de insetos benéficos e feromônios para controle de pragas. Programas de manejo com vespinhas do gênero Trichogramma, por exemplo, foram aperfeiçoados para atacar ovos de pragas em culturas como a cana-de-açúcar, reduzindo significativamente o uso de inseticidas químicos em milhões de hectares.

Além disso, a pesquisa com feromônios sexuais – substâncias químicas produzidas por insetos para comunicação e acasalamento – resultou em produtos comerciais capazes de atrair machos para armadilhas, monitorar populações e, em muitos casos, interferir no ciclo reprodutivo de pragas como besouros e brocas de citros e outras culturas perenes. Essas ferramentas, embora menos visíveis para o grande público, tornaram-se peças centrais em programas de manejo integrado, nos quais a combinação de monitoramento, controle biológico e uso racional de químicos permite manter pragas abaixo do nível de dano econômico.

Um episódio que ilustra a virada de chave em favor dos biológicos ocorreu em 2013, durante uma forte infestação da lagarta Helicoverpa armigera. Diante da ausência de moléculas químicas específicas, a solução mais eficaz encontrada em muitos casos veio de agentes biológicos, o que despertou a atenção de produtores e revendas para a necessidade de diversificar a caixa de ferramentas no controle de pragas. Aliás, foi a partir desse momento que inúmeros agricultores passaram a incluir bioinsumos de maneira sistemática em seus planos de manejo.

Mercado em expansão, fusões e desafios de inovação

Com a demanda crescente no campo, o mercado de bioinsumos se tornou alvo de grandes movimentos empresariais. Fabricantes especializados em defensivos biológicos foram adquiridos por grupos internacionais, fundos de investimento ampliaram participação em empresas de biotecnologia agrícola e marcas tradicionais de fertilizantes e defensivos químicos passaram a lançar suas próprias linhas biológicas. Compras bilionárias, ampliação de portfólios e abertura de novas plantas industriais evidenciam que o setor deixou de ser periférico na estratégia das grandes corporações.

Entretanto, esse crescimento acelerado traz também uma tensão importante: a necessidade de inovar de verdade. Apesar da diversidade de produtos nas prateleiras, muitos especialistas observam que boa parte do mercado continua concentrada em um conjunto relativamente restrito de microrganismos clássicos, como Bacillus, Trichoderma e alguns fungos entomopatogênicos. Por isso, pesquisadores e empreendedores têm buscado combinações inéditas de bactérias e fungos, bem como metabólitos específicos com ação sobre nematoides, fungos de solo e outras ameaças menos óbvias.

Nesse contexto, empresas de biotecnologia de menor porte, fundadas por cientistas, vêm encontrando espaço para desenvolver formulações originais e negociar parcerias com indústrias maiores. A lógica é simples: centros de pesquisa oferecem acesso a coleções microbianas e conhecimento de base; empresas estruturadas aportam capacidade de produção, registro e distribuição. Contudo, manter o equilíbrio entre escala, qualidade e inovação permanece como um dos grandes desafios para os próximos anos.

Moléculas, géis e o futuro dos defensivos naturais

Uma tendência promissora dentro do universo dos bioinsumos é o desenvolvimento de produtos baseados não apenas no microrganismo em si, mas em moléculas produzidas por ele. Lipopolissacarídeos, enzimas e outros compostos podem ser extraídos, purificados e formulados em versões estáveis, como géis translúcidos ou líquidos concentrados, capazes de ativar defesas naturais das plantas e reduzir a severidade de doenças.

Experimentos recentes com extratos produzidos por bactérias fitopatogênicas, por exemplo, mostraram que determinados componentes da parede celular desses microrganismos podem, quando aplicados em doses adequadas, acionar respostas de resistência em culturas como tomate, diminuindo o avanço de manchas foliares e oídio. Sendo assim, o que tradicionalmente era visto apenas como “vilão” passa a ser, em condições controladas, fonte de princípios ativos úteis à própria planta.

Projetos desse tipo avançam em parceria entre instituições de pesquisa e empresas interessadas em investir nos testes de campo e nos processos necessários para registro e produção em escala. A expectativa é que, à medida que esses produtos cheguem ao mercado, o portfólio de defensivos naturais se torne ainda mais diversificado, superando a visão de que bioinsumo é sinônimo apenas de “bactéria em garrafa” ou “fungo em pó”.

Quando o bioinsumo funciona – e quando frustra o produtor

Apesar do entusiasmo e dos números crescentes de adoção, um ponto sensível ainda incomoda muitos agricultores: a aparente irregularidade de resultados. Em algumas propriedades, bioinsumos apresentam desempenho consistente safra após safra. Em outras, produtos semelhantes falham em controlar doenças ou pragas de forma satisfatória, gerando frustração e desconfiança. Segundo pesquisadores da área, essa oscilação não é fruto de acaso, mas da complexidade do ambiente onde esses organismos são colocados para atuar.

O engenheiro-agrônomo Rodrigo Mendes, da Embrapa Meio Ambiente, tem se dedicado justamente a entender o papel do microbioma do solo nessa equação. Ele destaca que, ao serem aplicados, bactérias e fungos presentes em bioinsumos “invadem” comunidades microbianas já estabelecidas, que podem ou não aceitar bem esses novos integrantes. Diferenças sutis na composição do solo, no histórico de manejo e até na forma de aplicação podem determinar se o microrganismo introduzido será capaz de se instalar, produzir metabólitos benéficos e exercer o efeito desejado.

Em trabalhos conduzidos no exterior e no Brasil, Mendes e colaboradores demonstraram que solos com microbiomas mais diversos tendem a oferecer uma primeira linha de defesa importante às plantas, reduzindo a incidência de doenças radiculares. Entretanto, em alguns cenários, inoculantes biológicos mostraram efeitos mais intensos justamente em solos com diversidade microbiana reduzida, onde havia “espaço ecológico” para ocupar. Esses resultados deixam claro que a interação entre bioinsumo e microbioma é decisiva e, por isso, não se pode avaliar um produto biológico isoladamente, sem considerar o contexto em que ele será aplicado.

Por isso, pesquisas atuais caminham para uma visão mais integradora, em que o manejo do solo – com rotação de culturas, uso de matéria orgânica e redução de práticas degradantes – é visto como parte inseparável da estratégia de uso de bioinsumos. Ao equilibrar o microbioma, o produtor aumenta as chances de que bactérias e fungos benéficos encontrem condições adequadas para atuar, tornando mais previsíveis os resultados em campo.

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    Sou Cláudio P. Filla, formado em Comunicação Social e Mídias Sociais. Atuo como Redator e Curador de Conteúdo do Agronamidia. Com o apoio de uma equipe editorial de especialistas em agronomia, agronegócio, veterinária, desenvolvimento rural, jardinagem e paisagismo, me dedico a garantir a precisão e a relevância de todas as publicações.

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