Resumo
• As pragas não desaparecem no inverno; elas reduzem a atividade e permanecem em refúgios naturais até que o ambiente volte a ser favorável.
• Com a chegada de dezembro, temperaturas altas, dias longos e maior umidade aceleram a reprodução dos insetos.
• Estudos mostram que espécies como percevejos retomam a atividade de forma intensa, criando picos populacionais no fim do ano.
• A diapausa e os micro-habitats protegidos explicam como várias pragas sobrevivem aos meses frios.
• Pragas como percevejos, lagartas, brocas, mosca-branca e ácaros se beneficiam da vegetação jovem e do calor para se multiplicar rapidamente.
À medida que dezembro se aproxima, um fenômeno recorrente volta a chamar atenção de agricultores e técnicos: insetos que pareciam ter desaparecido durante o inverno reaparecem com vigor, como se despertassem de um longo período de repouso. A sensação popular de “hibernação” pode até fazer sentido na observação cotidiana; entretanto, a explicação científica revela um comportamento bem mais complexo — e amplamente documentado nas culturas brasileiras.
Um dos exemplos mais emblemáticos foi registrado em Santa Catarina, em um estudo de longo prazo conduzido pela Epagri. Ao acompanhar o percevejo-do-grão (Oebalus poecilus) entre 2008 e 2020 em áreas de arroz irrigado, os pesquisadores observaram que os picos populacionais se repetem sistematicamente em novembro e dezembro, retornando novamente em fevereiro. Entre o fim do outono e o início da primavera, ocorre o oposto: as populações praticamente desaparecem das lavouras.
Segundo o levantamento, o inseto enfrenta o inverno com atividade reduzida, encostando-se em bordas de mata e vegetação espontânea para atravessar os meses frios. Só quando o ambiente volta a oferecer calor estável, umidade crescente e alimento abundante — como a brotação das culturas de verão — é que a reprodução se acelera e os danos reaparecem de forma significativa.
Por que as pragas parecem “sumir” e ressurgir com tanta força?
O padrão observado no percevejo ajuda a esclarecer um processo que envolve uma grande variedade de insetos agrícolas. Na maioria dos casos, o desaparecimento aparente não se deve à hibernação clássica, mas a mecanismos como diapausa ou sobrevivência em micro-habitats protegidos.
Na diapausa, o inseto suspende voluntariamente seu desenvolvimento quando temperaturas baixas ou dias curtos sinalizam condições adversas. É uma pausa fisiológica programada, que pode durar semanas ou meses. Já outras espécies não entram em dormência real, mas se mantêm em locais quentes e discretos da paisagem — entulhos, touceiras densas, cascas, solo superficial — onde pequenas populações persistem até que o calor retorne.
Quando dezembro chega, uma combinação de fatores atua como gatilho imediato para a retomada da atividade biológica:
As temperaturas tornam-se elevadas e constantes, garantindo condições ideais para o desenvolvimento completo do ciclo de vida. Ao mesmo tempo, dias mais longos favorecem a alimentação, o acasalamento e a postura de ovos. A umidade começa a aumentar, criando um ambiente mais favorável para larvas e ninfas, que têm maior taxa de sobrevivência. E, talvez o mais determinante, surge uma vegetação jovem e nutritiva — tanto em lavouras recém-implantadas quanto nas plantas daninhas que florescem com as chuvas iniciais de verão.
Esse conjunto cria um cenário explosivo: insetos que sobreviveram discretamente durante o inverno encontram, de repente, um ambiente abundante, e suas populações crescem muito mais rápido do que no restante do ano.
As espécies que mais se beneficiam das condições de dezembro
Dentre os insetos que apresentam forte retomada populacional no fim do ano, destacam-se os percevejos do arroz e da soja (Oebalus spp. e Euschistus spp.). Suas infestações costumam coincidir com o período de enchimento de grãos, tornando o dano ainda mais relevante. Helicoverpa armigera e H. zea também aproveitam as condições quentes para acelerar os ciclos de postura, causando prejuízos expressivos quando não manejadas adequadamente.
A lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda) encontra nessa época sua maior oportunidade de expansão, especialmente em regiões de plantio contínuo. A broca-da-cana (Diatraea saccharalis) intensifica suas injúrias conforme a umidade aumenta, enquanto a mosca-branca (Bemisia tabaci) e os diversos ácaros do gênero Tetranychus se multiplicam com rapidez quando a planta hospedeira está em fase ativa de crescimento.
Ainda que cada espécie responda ao clima de forma particular, todas compartilham uma característica essencial: a capacidade de sobreviver discretamente por meses e, assim que o ambiente se torna favorável, retomar o ciclo com velocidade suficiente para gerar surtos repentinamente visíveis.



