Natureza
Orcas e golfinhos lado a lado: drones revelam encontros pacíficos que desafiam o “mito do predador”
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1 dia agoon

Resumo
• Registros feitos por drones no Canadá revelam interações pacíficas e prolongadas entre orcas e cetáceos menores, como golfinhos e botos, contrariando a visão clássica de predadores sempre agressivos.
• As imagens mostram os cetáceos menores se aproximando ativamente das orcas, nadando em formação e permanecendo próximos, inclusive quando há filhotes, sugerindo tolerância e possível comportamento social.
• Estudos indicam que golfinhos e botos podem se beneficiar da presença de orcas residentes como proteção contra outros predadores mais perigosos, alterando a dinâmica de risco no oceano.
• Além do convívio, cientistas observaram casos raros de caça em parceria, com orcas e golfinhos coordenando mergulhos e aproveitando melhor os recursos disponíveis.
• Pesquisadores apontam que a escassez de alimento e o avanço de tecnologias de observação estão revelando novas formas de cooperação entre espécies e sinais da pressão crescente sobre os oceanos.
Há algo de hipnótico em ver o oceano de cima, como se a superfície virasse um mapa vivo. Foi justamente esse olhar, proporcionado por drones, que levou cientistas a registrar um comportamento surpreendente: orcas — predadoras do topo da cadeia alimentar — interagindo de forma positiva com cetáceos menores, como golfinhos e botos, em encontros que não terminam em fuga, tensão ou ataque, mas em aproximação, permanência e, em alguns casos, brincadeira.
As observações ocorreram na costa da Colúmbia Britânica, no oeste do Canadá, e envolvem principalmente orcas residentes do norte, golfinhos-de-flancos-brancos do Pacífico e botos-de-Dall. O que chama atenção não é apenas a coragem dos menores, mas o “tom” dessas interações: por alguns minutos — e, em certas situações, por mais de uma hora — eles circulam as orcas, acompanham deslocamentos e se mantêm próximos até mesmo quando há filhotes no grupo.
Quando o risco não vira pânico
Em um dos episódios mais emblemáticos, botos-de-Dall se aproximaram de uma orca adulta e nadaram ao seu redor antes de seguir em direção a uma fêmea com filhote. O filhote, em especial, aparece nas imagens como parte ativa da cena, sugerindo uma dimensão lúdica no contato, enquanto a mãe alterna tolerância e sinais de incômodo — uma espécie de limite comportamental que, por si só, também é informativo.
Essas cenas integram um conjunto maior de registros que, segundo os pesquisadores, desafia uma expectativa comum: a de que a presença de orcas quase sempre implica agressividade para outras espécies. Aqui, porém, o padrão observado aponta para encontros em que a aproximação parte dos menores e se sustenta por tempo suficiente para indicar mais do que mera coincidência de rota.
Por que golfinhos e botos se aproximariam de orcas
Uma hipótese levantada pelos estudos é que cetáceos menores possam se beneficiar da proximidade com orcas residentes do norte como uma forma indireta de proteção. A lógica é simples e, ao mesmo tempo, poderosa: nem toda orca caça os mesmos alvos. Há grupos com dietas e estratégias distintas, e alguns são conhecidos por predar mamíferos marinhos — o que muda completamente o cálculo de risco para golfinhos e botos quando escolhem com quem “dividir” o mar.
Nesse cenário, a presença de orcas residentes (com dieta mais associada a peixes, como salmões) poderia funcionar como um “escudo comportamental” contra grupos mais perigosos, reduzindo a probabilidade de assédio ou ataque por parte de predadores com outro perfil de caça. Assim, ficar perto de um animal maior que não representa ameaça imediata pode ser, paradoxalmente, uma forma de ficar mais seguro.
O que as imagens mostram de fato
Um estudo publicado na revista Ecology and Evolution analisou 42 interações registradas por drone entre 2018 e 2021 no estreito de Johnstone, na costa ocidental do Canadá. As imagens revelam padrões consistentes: cetáceos menores se aproximando ativamente, nadando em formação e, em alguns casos, mantendo contato prolongado próximo a grupos com filhotes.
O ponto mais intrigante é que a dinâmica não parece simétrica. Em outras palavras, os menores “procuram” as orcas com mais frequência do que o contrário. As orcas, por sua vez, em muitos momentos parecem apenas tolerar a companhia, alternando neutralidade e irritação, como se a interação existisse dentro de uma margem de permissividade — ampla o bastante para acontecer, mas não necessariamente desejada o tempo todo.
Caça em parceria: o raro que muda a pergunta
Além da dimensão social, há um segundo achado ainda mais incomum: registros de orcas e golfinhos caçando juntos. Um estudo publicado na Scientific Reports relatou 25 ocasiões em que orcas residentes do norte seguiram golfinhos durante mergulhos em busca de alimento, com sinais de organização na forma como o grupo se mantém e se desloca durante a atividade.
As observações indicam que os animais chegaram a permanecer juntos em profundidades próximas de 60 metros, em condições de baixa luz, revezando a ecolocalização para localizar presas. É um detalhe decisivo, porque sugere um tipo de coordenação funcional: quando duas espécies se beneficiam de informações sensoriais compartilhadas, o ganho pode ser maior do que a soma dos esforços isolados.
Outro elemento aparece como “pista ecológica” do que acontece depois: após capturas de salmões pelas orcas, fragmentos e restos ficam disponíveis, atraindo os golfinhos para aproveitar essa sobra. Nesse ponto, a relação pode transitar entre cooperação e oportunismo alimentar — e, ainda assim, continuar sendo um sinal de tolerância entre espécies.
Escassez de alimento e pressão no oceano
Os pesquisadores também apontam que a escassez pode estar empurrando o comportamento para territórios menos previsíveis. O salmão-chinook, base importante da dieta das orcas residentes, tem enfrentado redução populacional associada a pressões como mudanças climáticas e pesca predatória, o que aumenta a competição por recursos e altera a dinâmica de forrageamento.
Nessa leitura, trabalhar “com mais olhos procurando comida” pode ampliar oportunidades de encontro com presas, ainda que isso reconfigure o modo como diferentes espécies dividem espaço e tempo no mar. Assim, aquilo que parece amizade, de longe, também pode ser um reflexo sofisticado — e preocupante — de adaptação a um ambiente em estresse.
A tecnologia que revelou o que antes não dava para ver
Por fim, há um componente silencioso, porém central: drones e câmeras subaquáticas estão mudando a escala do que conseguimos observar. Quando a ciência ganha acesso a ângulos antes inacessíveis, comportamentos considerados “raros” podem se revelar apenas “pouco registrados”. Isso não diminui o impacto do achado; ao contrário, amplia as perguntas.
Se orcas e golfinhos podem, em certos contextos, coexistir de forma tolerante — e até sincronizar estratégias de busca por alimento — o que isso diz sobre inteligência social, aprendizado, cultura animal e saúde do ecossistema? E, sobretudo, em que medida essas interações são um sinal de abundância e estabilidade… ou uma resposta a um oceano cada vez mais pressionado?

Sou Cláudio P. Filla, formado em Comunicação Social e Mídias Sociais. Atuo como Redator e Curador de Conteúdo do Agronamidia. Com o apoio de uma equipe editorial de especialistas em agronomia, agronegócio, veterinária, desenvolvimento rural, jardinagem e paisagismo, me dedico a garantir a precisão e a relevância de todas as publicações.
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