Resumo
• O Prêmio JK homenageou a pesquisadora Ieda Mendes, reconhecendo sua contribuição decisiva para o desenvolvimento agrícola e para a consolidação da Embrapa Cerrados ao longo de 50 anos.
• A trajetória de Ieda reflete superação e compromisso com a ciência, marcada por uma infância simples, formação acadêmica sólida e mais de três décadas dedicadas à pesquisa do solo.
• A cientista liderou avanços históricos, como a Bioanálise de Solo (BioAS) e a Plataforma Saúde do Solo BR, que ampliaram o acesso a dados biológicos e fortaleceram práticas agrícolas sustentáveis.
• O reconhecimento ressalta a importância da saúde do solo como base da agricultura produtiva, reforçando a visão de Ieda sobre o solo como um superorganismo essencial ao futuro do agro.
• Apesar das conquistas, Ieda projeta novos desafios, como a ampliação do pagamento por serviços ambientais e maior valorização de sistemas agrícolas que preservam a vitalidade dos solos.
A homenagem concedida à pesquisadora Ieda Mendes, da Embrapa Cerrados, durante a cerimônia do Prêmio JK, realizada no auditório do Tribunal de Contas da União, não celebra apenas uma carreira de excelência; ela simboliza também a maturidade de um trabalho científico que ajudou a transformar a agricultura brasileira.
Quando subiu ao palco para receber a distinção, criada pelo Correio Braziliense com o objetivo de valorizar personalidades que contribuem para o desenvolvimento de Brasília, Ieda sintetizou em poucas palavras o sentimento de pertencimento que guiou sua trajetória: “Nasci nesta cidade e estou muito feliz com essa homenagem. Feliz por representar a Embrapa, que é uma empresa que dá orgulho a todos os brasileiros, e pelo nosso trabalho com saúde do solo, desenvolvido aqui no nosso quadradinho, no DF, e hoje reconhecido não só no Brasil, mas internacionalmente”.
Uma homenagem que traduz a força da ciência brasileira
A premiação chega em um momento emblemático. Em 2024, a Embrapa Cerrados completa 50 anos, marco que reforça a relevância de uma instituição que contribuiu decisivamente para incorporar o Cerrado ao mapa da agricultura tropical. Por isso, para Ieda, o simbolismo do reconhecimento é ainda mais profundo: “Fico muito feliz em representar a Embrapa Cerrados quando ela completa 50 anos, uma unidade que permitiu a incorporação do Cerrado ao processo de produção agrícola, desenvolvendo tecnologias no DF que impactaram em todo o País”.
A categoria Agro, da qual a pesquisadora foi vencedora, integrou um conjunto de 16 áreas contempladas pelo prêmio, incluindo esporte, cultura, sustentabilidade, empreendedorismo, educação, tecnologia e gestão pública. Também foram feitas homenagens especiais a personalidades de atuação de destaque, reforçando o compromisso da iniciativa em valorizar trajetórias que impactam positivamente a sociedade brasileira.
Raízes profundas: da infância em Brasília ao reconhecimento científico
Assim como muitos pioneiros que chegaram à capital em construção, a família de Ieda enfrentou inúmeras dificuldades. Ela conta que seus pais chegaram a Brasília antes mesmo da inauguração, quando o sonho da nova capital ainda era apenas um grande canteiro de obras. O pai, ex-lavrador, estudou apenas até o quarto ano primário e precisou se reinventar para sustentar a família. Trabalhou quebrando pedras, vendendo laranjas no aeroporto e, com esforço incansável, tornou-se dono de uma pequena mercearia. “Para um ex-lavrador que estudou só até o quarto ano primário, o início na capital da esperança foi muito difícil”, relembra.
Essa história se entrelaça com a própria construção de Brasília, marcada pela força e pela persistência de milhares de famílias. Foi nesse cenário que Ieda nasceu, em 1966, tornando-se a primeira da família a concluir o ensino superior — conquista que ela atribui ao empenho dos pais e à fé que guiou sua formação. “Graças ao esforço e à visão dos meus pais, conquistei o diploma. E tudo o que sou devo a Deus, à minha família e à Embrapa”, afirma.
Três décadas dedicadas à pesquisa e à inovação no solo brasileiro
A relação de Ieda com a Embrapa começou cedo. Aos 20 anos, atuou como estagiária na instituição. Em 1989, aos 23, conquistou uma vaga como pesquisadora no primeiro concurso público da unidade. Pouco tempo depois, iniciou o doutorado em Soil Science pela Oregon State University, aprofundando estudos que, mais tarde, iriam redefinir a forma como o Brasil observa e monitora a saúde do solo.
Nos anos 1990, seu trabalho integrou pesquisas que resultaram na seleção de estirpes microbianas utilizadas até hoje nos inoculantes comerciais de soja, um dos pilares do agronegócio nacional. Aliás, esse marco antecipava a vocação da pesquisadora: olhar para o solo não apenas como suporte físico da plantação, mas como um organismo vivo, complexo e fundamental para o futuro da agricultura.
A partir de 1999, Ieda se dedicou intensamente ao desenvolvimento de bioindicadores de qualidade do solo, pesquisa que culminaria na revolucionária Bioanálise de Solo (BioAS), lançada em 2020. A tecnologia incorporou, pela primeira vez, o componente biológico às análises de rotina, ampliando a compreensão sobre resiliência, vitalidade e sustentabilidade dos sistemas produtivos.
O avanço abriu caminho para o mais recente projeto coordenado por Ieda: a Plataforma Saúde do Solo BR, apresentada na COP 30. Trata-se do primeiro ambiente digital de acesso público no país capaz de disponibilizar dados detalhados sobre saúde do solo por estado, município, cultura e tipo de manejo. A ferramenta permite comparações, análises e diagnósticos, tornando-se um recurso essencial para produtores, pesquisadores, gestores públicos e empresas do setor.
Perspectivas para um futuro que já começou
Mesmo após décadas de contribuições científicas, Ieda não esconde que ainda sonha alto. Para ela, há dois avanços urgentes para o Brasil consolidar uma agricultura verdadeiramente sustentável. O primeiro é o reconhecimento do solo como um “superorganismo”, com funcionamento complexo e dinâmico, responsável pelo equilíbrio e pela produtividade das lavouras. O segundo é a ampliação das políticas de pagamento por serviços ambientais, garantindo que produtores rurais que investem na vitalidade dos solos recebam retorno pelo serviço ecológico prestado.
“Nessa caminhada profissional, espero ainda ver dois avanços importantes: que o solo seja reconhecido como um superorganismo, o grande trabalhador das nossas lavouras, e que sua saúde seja tratada como prioridade; e que o pagamento por serviços ambientais se torne realidade para os agricultores que investem na conservação e na vitalidade dos nossos solos”, conclui.



