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Processo sustentável transforma vinhaça em compostos químicos de alto valor e já está em fase de patenteamento e validação tecnológica
Publicado
6 horas atrásem
Por
Claudio P. Filla
Durante décadas, a vinhaça foi tratada como um dos grandes entraves ambientais da cadeia sucroenergética. Gerada em volumes expressivos no processo de produção do etanol, essa substância líquida, rica em matéria orgânica, exige manejo cuidadoso para não comprometer o solo e os recursos hídricos. Agora, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) demonstram que o resíduo pode assumir um papel estratégico na transição para uma economia mais limpa.
A equipe desenvolveu um processo capaz de converter a vinhaça em compostos químicos de alto valor agregado, com aplicação direta na fabricação de bioplásticos biodegradáveis, biocombustíveis e insumos usados pelas indústrias farmacêutica e cosmética. A tecnologia utiliza rotas eletroquímicas sustentáveis, reduzindo riscos ambientais e ampliando o aproveitamento de resíduos agroindustriais.
Compostos-chave para substituir plásticos convencionais
O destaque do processo está na obtenção do ácido 2,5-furandicarboxílico, conhecido como FDCA, um dos principais precursores do polietileno furanoato (PEF). Esse biopolímero surge como alternativa ao PET, amplamente utilizado em garrafas, embalagens alimentícias e filmes plásticos. Produzido a partir de fontes renováveis, o PEF apresenta melhor desempenho como barreira a gases e menor pegada de carbono, características que o colocam no centro das discussões sobre embalagens sustentáveis.
Além do FDCA, o método desenvolvido na UFRN também gera o 5-hidroximetilfurfural (HMF), um composto-plataforma estratégico para a síntese de biocombustíveis líquidos, solventes verdes e intermediários químicos. O processo ainda permite a obtenção de ácido vanílico, substância de reconhecida ação antioxidante e antimicrobiana, amplamente utilizada em cosméticos, alimentos e produtos farmacêuticos.
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Vinhaça: de problema recorrente a recurso estratégico
A relevância da tecnologia ganha dimensão quando se observa a escala do resíduo envolvido. Para cada litro de etanol produzido, são gerados, em média, de 12 a 13 litros de vinhaça. Em um setor que movimenta bilhões de litros de combustível por safra, o acúmulo desse subproduto representa um desafio constante para usinas e órgãos ambientais.

Ao propor a valorização química da vinhaça, o processo patenteado contribui para mitigar esse passivo, transformando-o em matéria-prima útil. A abordagem se ancora nos princípios da química verde e da economia circular, uma vez que utiliza oxidantes gerados de forma eletrossintética, sem o emprego de reagentes perigosos ou a formação de subprodutos tóxicos. O uso de energia renovável, como a fotovoltaica, reforça o caráter sustentável da proposta.
Patente, cooperação científica e validação tecnológica
O pedido de patente foi depositado junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e recebeu o título “Processo verde para extração de compostos furânicos e fenólicos a partir de vinhaça com S₂O₈²⁻ ou H₂O₂ eletrossintetizados”. A invenção integra a Vitrine Tecnológica da UFRN, que reúne ativos industriais protegidos e disponíveis para transferência ao setor produtivo.
O desenvolvimento da tecnologia resultou da cooperação entre programas de pós-graduação da universidade, envolvendo áreas como Química e Engenharia Química, com apoio de projetos financiados por agências nacionais de fomento. Os experimentos laboratoriais incluíram análises cromatográficas detalhadas e a definição de condições ideais para a conversão seletiva dos compostos presentes na vinhaça, assegurando eficiência e reprodutibilidade.
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Da bancada ao piloto: próximos passos
Atualmente, a tecnologia encontra-se em fase de prova de conceito, classificada entre os níveis 3 e 4 de maturidade tecnológica (TRL). Isso significa que os fenômenos fundamentais já foram comprovados em laboratório e o sistema opera de forma estável em ambiente controlado.
Os esforços agora se concentram na transição para a escala piloto. Estão em desenvolvimento protótipos modulares capazes de processar volumes maiores de vinhaça e operar com diferentes configurações de eletrodos e membranas. Esses testes buscam não apenas ampliar a eficiência do processo, mas também reduzir custos operacionais, fator decisivo para a adoção industrial.
Outro ponto estratégico é a integração da eletrossíntese dos oxidantes verdes com processos de geração de hidrogênio. A ideia é aproveitar a eletrólise simultânea para aumentar a eficiência energética global do sistema, alinhando-se às tendências internacionais de produção química sustentável.
Inovação acadêmica com impacto industrial
Para a UFRN, o depósito da patente simboliza mais do que um avanço científico. Representa a consolidação da pesquisa acadêmica como vetor de inovação tecnológica, capaz de dialogar com demandas reais da indústria e da sociedade. Ao propor uma rota limpa para a valorização de resíduos da agroindústria, o trabalho reforça o papel das universidades públicas na construção de soluções para os desafios ambientais contemporâneos.
A tecnologia permanece disponível na Vitrine Tecnológica da instituição, que atualmente reúne centenas de ativos protegidos, e pode ser licenciada para empresas interessadas em ampliar o portfólio de produtos sustentáveis, fechando o ciclo entre ciência, inovação e mercado.

Sou Cláudio P. Filla, formado em Comunicação Social e Mídias Sociais. Atuo como Redator e Curador de Conteúdo do Agronamidia. Com o apoio de uma equipe editorial de especialistas em agronomia, agronegócio, veterinária, desenvolvimento rural, jardinagem e paisagismo, me dedico a garantir a precisão e a relevância de todas as publicações.
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